Sobre os filmes ESTADOS UNIDOS PELO AMOR e ANIMAIS NOTURNOS
A ação de ESTADOS UNIDOS PELO AMOR se passa na Polônia de 1990, momento de abertura para o Ocidente. Para as pessoas comuns, isso significava mais acesso a jeans, Fanta e outros produtos de consumo, assim como a oportunidade de abrir negócios próprios como uma pequena locadora com setor de vídeos pornôs. Mas para as quatro mulheres que protagonizam o filme, o que parece importar mesmo é a decisão de ir à luta por suas obsessões amorosas e sexuais.
Não são obsessões rotineiras, pois envolvem batina, relacionamento extra-conjugal, transferência de libido, fixação lésbica e alcoolismo. Ou seja, estamos no coração de uma Polônia reprimida e carente, sintomas traduzidos também pela paisagem desolada de um daqueles conjuntos residenciais típicos, fotografado nas cores mais frias da paleta digital. A lembrança do “Decálogo” de Kieslowski e eventualmente de Antonioni conferem certo parentesco nobre ao trabalho do diretor Tomasz Wasilewski.
Mas o roteiro, premiado com um Urso de Prata em Berlim, me pareceu bastante lacunar e insatisfatório. Construído na receita multiplot à base de sugestões e interrupções, deixa as personagens apenas rascunhadas e as abandona bem antes do desejável. Assim, essas mulheres à beira do transtorno emocional limitam-se a meras ilustrações de síndromes diversas no campo da frustração afetiva. São performances sóbrias e corajosas, de muita exposição corporal. Faltou enredá-las com uma trama mais densa e justificar mais claramente sua inserção naquele momento político específico.
José Carlos Avellar costumava dizer que o tema principal do cinema americano é a insatisfação pessoal. Numa sociedade em que a felicidade é medida pelo sucesso e a conquista, estar insatisfeito é um drama nacional. A personagem de Amy Adams em ANIMAIS NOTURNOS é a personificação dessa carência. Insatisfeita com os pais conservadores, o marido adúltero, as escolhas que fez na vida e a vacuidade de sua galeria de arte, Susan é vista quase o tempo todo como um animal acuado entre quatro paredes. Ao receber os originais do livro de um ex-marido, ela mergulha na leitura de uma história tenebrosa de crime e vingança.
Com base no romance “Tony and Susan”, de Austin Wright, o designer de moda e diretor bissexto Tom Ford (“Direito de Amar”) tentou construir uma metaficção que lida com pelo menos dois níveis da ideia de vingança. Num deles, puramente literário, está um pai (Jake Gyllenhaal) à caça dos criminosos que brutalizaram sua mulher e sua filha. No outro, extraliterário, está um escritor vingando-se da ex-namorada que o abandonou. Os dois níveis se encontram nas reminiscências e projeções que Susan faz enquanto lê o livro – o que dá margem a uma série de clichês sobre os labirintos entre realidade e invenção, criador e criatura.
Por mais elegância e referências de alta cultura e alto consumo que Tom Ford coloque em cena, ANIMAIS NOTURNOS não passa de um divertimento midcult, um pastiche de “Desejo de Matar” relido por David Lynch mas escrito por um discípulo pouco talentoso de Brian De Palma. Gyllenhaal tem uma das piores atuações de sua carreira, especialmente no desfecho do livro-dentro-do filme. Já Michael Shannon, no papel de um policial, devora todas as cenas em que aparece. Mas é apenas uma virtude coadjuvante num filme vazio e pretensioso.