Cinema, baterias e um prefeito cassado

Não fossem as baterias de automóvel, não existiria o Festival Cine Jardim, que animou a semana passada na pequena Belo Jardim, cidade de 75.000 habitantes no agreste pernambucano. Já em sua terceira edição, o evento é iniciativa da família Moura, que começou fabricando mariolas nos anos 1950 e hoje possui a maior fábrica de baterias do país.

O Grupo Moura, ou simplesmente “o Moura”, como é chamado no lugar, domina a economia local, enquanto a política tem sido encabeçada pelos Mendonça, do atual Ministro da Educação pós-golpe. O hotel Jardim Plaza, que hospeda os convidados do Cine Jardim, é dos Mendonça, assim como a estátua dourada do patriarca na pracinha em frente.

Mas quem se importa mesmo com a cultura e a educação em Belo Jardim são os Moura. Através do Instituto Conceição Moura, eles mantêm uma permanente ação social voltada para a infância e juventude, que abrange educação socioambiental, reciclagem, artesanato, gestão escolar, uma escola de música, duas sessões semanais de filmes e um festival num município desprovido de salas de cinema. Quem coordena as atividades nessa área é a produtora recifense Pontilhado Cinematográfico, tendo à frente os cineastas Leo Tabosa e Arthur Leite, e o professor Jorge Sardo Jr.

Com o tema “Cinema social e identidade”, o III Cine Jardim exibiu mais de 70 curtas nacionais e estrangeiros, e cinco longas brasileiros. Prestou uma homenagem especial à atriz e diretora paraibana Marcelia Cartaxo, uma das quatro atrizes brasileiras detentoras de prêmios em grandes festivais internacionais (Urso de Prata em Berlim 1985 por A Hora da Estrela). E ainda me convidou para fazer uma palestra sobre documentário brasileiro e lançar meu livro Cinema de Fato – Anotações sobre Documentário.

Na premiação, entregue sábado à noite, Martirio, de Vincent Carelli, ganhou melhor longa para os júris oficial e popular. Jonas e o Circo sem Lona ficou com o Prêmio Especial do Júri e mereceu dos jurados uma distinção muito bem achada: melhor direção de arte para o menino Jonas Taborda, que constrói o cirquinho dos seus sonhos no belo documentário de Paula Gomes.

Entre os curtas, o júri oficial escolheu O Delírio é a Redenção dos Aflitos, do pernambucano Felipe Fernandes, enquanto no popular venceu o doc Tarja Preta, de Márcio Farias, também de Pernambuco. Ocioso dizer que o palco foi sonorizado por invocações de Fora Temer e Diretas Já.

Modesto e simpático, o festival promove debates sobre os filmes, faz exibições em comunidades próximas e conta com uma buliçosa plateia juvenil trazida de ônibus pela prefeitura. Dias antes da abertura, o prefeito João Mendonça (PSB), primo de Mendonça Filho, foi cassado pelo TSE por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. As ruas da cidade estavam tomadas pelos carros de som das campanhas. Uma nova eleição direta será realizada para a prefeitura, a exemplo do que deveria acontecer com a presidência do país quando o rato Temer voltar para o esgoto da História.

Afora alguns transtornos com o transporte da garotada, o Cine Jardim passou incólume pela tempestade politica e pela chuvinha que caiu para alegria da população. A seca castiga a região há seis anos, e contra isso o cinema pouco pode fazer. Mas a voz corrente era que o festival tinha trazido, também aí, um alívio para a estiagem.

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