Festival do Rio: Clementina + Mais Triste que Chuva num Recreio de Colégio

A empregada doméstica descoberta aos 62 anos por Hermínio Bello de Carvalho (ele diz que não a descobriu, mas apenas “prestou atenção”) rapidamente se consagraria como um elo perdido entre as músicas brasileira e africana. O documentário CLEMENTINA faz um perfil cheio de simpatia por Clementina de Jesus (1901-1987).

Além de arquivos de Quelé cantando e dando entrevista – onde cada época pode ser identificada pela peruca e a quantidade de dentes na boca –, o filme de Ana Rieper recolhe depoimentos de gente como Nei Lopes, Nelson Sargento, Jorge Coutinho, Elton Medeiros, o historiador Luiz Antonio Simas e netos da cantora para traçar uma memória que vem do tempo dos escravos.

Foi pela tradição oral que Clementina aprendeu as velhas cantigas africanas, jongos e pontos de candomblé que marcaram seu repertório muito especial. O filme privilegia esse tipo de relato: as lembranças familiares, as recordações de quem conviveu com ela nos tempos do antológico show Rosa de Ouro e das Noitadas de Samba do Teatro Opinião.

Ana Rieper não quis criar uma voz-eixo nem textos que ajudassem a contar essa história. Preferiu deixar que os materiais colhidos dessem conta do recado. Isso ora dá certo, com base na verve das falas e das músicas, ora rateia um pouco, investindo em imagens adicionais dispersivas e carregadas de clichês de ambientação suburbana.

Mas há também o resgate de momentos impagáveis, como Clementina passando sua receita pessoal de feijoada ou enfeitiçando uma entrevistadora estrangeira à porta de sua casinha humilde. Dizem que ela tinha corpo fechado, mas a boca vivia bem aberta para espalhar o samba de raiz. CLEMENTINA nos lembra de tudo isso.


 


O longa CLEMENTINA está sendo exibido no Festival do Rio juntamente com o curta MAIS TRISTE QUE CHUVA NUM RECREIO DE COLÉGIO, de Lobo Mauro. Filme conceitual, não narrativo, interliga com grande astúcia quatro acontecimentos expressivos do fracasso brasileiro. Sobre imagens da reforma superfaturada do Maracanã para a Copa de 2014 e do “artista da bola” Márcio fazendo suas infindáveis embaixadinhas, o cineasta conjuga três áudios de triste memória: falas de deputados na votação do impeachment de Dilma, o pronuncimento de Temer comentando a aprovação da reforma trabalhista e a narração de Galvão Bueno da derrota de 7×1 para a Alemanha.

A simples reunião desses áudios dispensa maiores comentários. O Brasil das falcatruas financeiras e políticas saía derrotado em todos os campos. Lidando com três de suas paixões – o cinema, o futebol e a política –, Lobo Mauro fez uma das sínteses mais contundentes da nossa tragédia contemporânea. MAIS TRISTE… ganhou uma Menção especial do júri no tradicionalíssimo Festival alemão de Oberhausen.

Um comentário sobre “Festival do Rio: Clementina + Mais Triste que Chuva num Recreio de Colégio

  1. Que você continue brilhando e dando o seu recado ao Brasil e ao mundo com a competência que já está se tornando habitual!
    Parabéns, Lobo Mauro!

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