A CASA DE VERANEIONo cinema francês existe uma tradição que tem sua matriz em Une Partie de Campagne e A Regra do Jogo, de Jean Renoir. Um grupo de família e amigos se reúne no campo para se divertir e se agredir mutuamente, além de manter relações transversais com a classe dos empregados. A CASA DE VERANEIO pertence a essa linhagem. Valeria Bruni-Tedeschi dirige e lidera o elenco no papel de Anna, uma diretora de cinema recém-abandonada pelo marido que se refugia na casa da Côte d’Azur para tentar escrever um novo roteiro. Ela divide seu tempo de tela com vários outros personagens.
Há a irmã meio maluquete (Valeria Golino), ligada à memória do irmão falecido, dado a reaparições fantasmáticas aqui e ali. Há o marido da irmã (Pierre Arditi), dono da propriedade em estado falimentar. Tem o amigo da família (Bruno Raffaelli) que esconde suas carências em performances divertidas. E a empregada casada (Yolande Moreau) que flerta com o vigia noturno enquanto o marido, aparvalhado, adora lamber as orelhas do patrão.
Essa ronda de figuras no limite da caricatura se espalha pelo filme sem ordem ou linearidade. A narrativa é solta o suficiente para sermos agraciados a cada momento com uma pequena surpresa, uma reação estapafúrdia ou uma tirada hilariante. Quem procurar um sentido mais organizado vai se decepcionar. Valeria limita-se a fazer uma crônica fragmentada de uma família burguesa decadente que tenta se manter à tona da catástrofe.No pano de fundo está uma pequena vingança da diretora. Ela foi casada com o galã Louis Garrel de 2007 a 2012. Ele a trocou pela atriz iraniana Golshifteh Farahani. No filme, seu marido Luca (Riccardo Scamarcio) é um chato blasé que se enrabichou com uma modelo de lingerie. Anna implora pateticamente por sua volta, mas o retrata como alguém para quem, creio eu, nenhuma mulher gostaria de voltar.
O teor autobiográfico e familiar segue o mesmo figurino de seu filme anterior, Um Castelo na Itália. Sua mãe, Marisa Borini, e a filha adotiva de Valeria e Garrel, a pequena senegalesa Oumy Bruni Garrel, fazem seus respectivos papéis. A atriz e roteirista Noémie Lvovsky, que ajudou Valeria a escrever CASA DE VERANEIO, também integra o elenco como a corroteirista do próximo filme de Anna – também autobiográfico – e não escapa à ciranda de amores fortuitos daqueles dias de verão.
Essas injunções não têm grande importância para o que se passa na tela, mas trazem um subtexto curioso para um filme despretensioso e meio vadio, mas simpático e divertido.
P.S. É de se perguntar o que faz o austero documentarista Frederick Wiseman no papel (mudo) de um dos avaliadores do projeto de Anna no pitching da cena inicial.