Cidade mórbida

MORMAÇO

O cinema carioca não perdeu a oportunidade de criticar as remoções praticadas para dar lugar às obras das Olimpíadas de 2016. O Prefeito, de Bruno Safadi, e Olympia 2016, de Rodrigo MacNiven, chegaram aos cinemas em tempo hábil para obter alguma efetividade. Já o drama MORMAÇO, de Marina Meliande, perdeu o bonde da oportunidade.

Dirigindo pela primeira vez sem a parceria de Felipe Bragança, Marina ancorou seu libelo ficcional no caso real da comunidade de Vila Autódromo, que se tornou um símbolo por resistir até o último momento à demolição. Partiu de um mote interessante: a jovem defensora pública Ana (Marina Provenzzano) luta junto aos moradores ameaçados de despejo ao mesmo tempo em que vê o seu próprio prédio ser gradualmente evacuado em benefício de um grande empreendimento hoteleiro.

Temos, então, uma espécie de cruzamento entre Aquarius e Era o Hotel Cambridge, ao qual vão se juntar elementos de terror psicológico. Ana começa a somatizar os danos da cidade em sua pele sob a forma de estranhas crostas, com desdobramentos razoavelmente sinistros. O calor, a poeira, a violência policial e a retórica manipuladora dos poderes econômico e político formam um quadro de vilania sem meias tintas.

O filme tem grande dificuldade em impor algumas de suas premissas. O romance entre Ana e um arquiteto encarregado de preparar a demolição do edifício onde ela mora (Pedro Gracindo) carece de toda lógica ou química. Por sua vez, a relação entre a advogada e seus clientes na Vila Autódromo dá margem a uma exposição extremamente didática e pouco espontânea do contexto social.

A encenação se dá num ritmo pausado e desvitalizado que não condiz muito com a realidade carioca, muito embora esta tenha assumido uma coloração cada vez mais mórbida. As atuações de Marina Provenzzano e Analu Prestes (esta como uma vizinha de Ana) dão razoável sustentação à parte que lhes toca, enquanto os aspectos técnicos estão bem realizados.

Resta lamentar que a alegoria central, de uma consciência vitimada pela brutalidade do entorno, soe um tanto óbvia e, a partir de certo ponto, previsível.

 

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