LA MANUELA
A belíssima Manuela Lavinas Picq, personagem-título do documentário LA MANUELA, é uma mulher fascinante. Filha da economista e professora brasileira Lena Lavinas e de pai francês, nasceu na França durante o exílio político da mãe. Jornalista e professora de Direito Internacional, exímia poliglota, Manuela é também alpinista e praticante de voos em parapente. Numa de suas aventuras, apaixonou-se pela causa das mulheres indígenas do Equador e, em seguida, por Carlos Pérez Guartambel, líder de um movimento de nações originárias daquele país. Seu prenome gerou uma associação mágica com a revolucionária Manuela Sáenz, companheira de Simon Bolívar, e fez dela um símbolo no movimento indígena equatoriano.
Seus embates com as pautas extrativistas do governo de Rafael Correa, seguido por um exílio forçado após ser detida durante uma manifestação e perder o visto, são contados por sua amiga de infância e adolescência, a cineasta Clara Linhart, diretora de Domingo junto com Fellipe Barbosa. O filme passa nesta sexta-feira, 17/5, às 17h40, na Mostra do Filme Livre (CCBB-Rio).
LA MANUELA se beneficia de um misto de intimidade e objetividade no acompanhamento de três anos da vida de Manuela e Carlos. Política, história de amor e retrato de mulher se mesclam habilmente através de encontros, separações, discussões e impasses. Entre o Equador, o Brasil, Berlim e Boston, o nomadismo de Manuela atrás de trabalho, estudo e ativismo confere ao filme uma atraente imprevisibilidade, assim como uma variação constante de texturas e atmosferas.
Manuela parece longe de ser a militante sisuda ou a acadêmica professoral. Sua diferença física e cultural em relação aos indígenas a que se alinhou e dedicou fervorosamente faz dela uma personagem rara, quase improvável. Ela não procura dissimular essa diferença e nem esconde o viés romântico que mantém com a natureza e a política do Equador.
Nas frestas desse perfil de amiga, o filme de Clara Linhart deixa entrever um exemplo das demandas e contradições da esquerda latino-americana nos últimos anos. O governo de Rafael Correa entrou em choque com movimentos sociais, contexto no qual se deu a prisão de Manuela e Carlos em 2015. Mas, ao contrário do que ocorreu no Brasil a partir de 2013, não houve golpe. Correa ainda conseguiu safar-se da onda “anti-corrupção” e fazer seu sucessor, Lenín Moreno, em 2017. Naquela campanha eleitoral, depois de sair do páreo como pré-candidato à Presidência, Carlos apoiou o opositor de Moreno, Guillermo Lasso, representante do rentismo e do capital financeiro.
Até onde se deve ir no confronto com um inimigo parcial? – eis uma pergunta crucial para esses tempos. Lá como aqui, a esquerda mais purista não compreendeu o jogo de forças que apontava para a reorganização da direita a nível mundial. No Equador, porém, aconteceu o impensável. Moreno rompeu com Correa e, numa guinada traidora, se aproximou dos EUA, culminando com a entrega de Julian Assange às autoridades britânicas em abril último.
Em janeiro de 2018, Manuela pôde enfim retornar ao Equador e aos braços do seu amado. O filme termina bem para eles, mas deixa um rastro de férteis controvérsias para nossa reflexão.