Edifício Coutinho

Nesta quarta-feira, 2 de outubro, às oito da noite, o Itaú Cultural inaugura a Ocupação Eduardo Coutinho, da qual fui cocurador juntamente com a fantástica equipe do instituto da Avenida Paulista. Na mesma noite e local, estarei lançando meu novo livro, Sete Faces de Eduardo Coutinho, uma edição conjunta da editora Boitempo, Itaú Cultural e Instituto Moreira Salles. A exposição e o livro dialogam entre si, embora percorram caminhos diferentes. Mas o intuito é o mesmo: alargar um pouco mais o conhecimento que se tem da trajetória e do método de Coutinho.

Para muita gente que travou contato com sua obra nos últimos 20 anos, a imagem que dele ficou foi a do senhorzinho que sabia entrevistar (embora ele desaprovasse o termo “entrevista”, que trocava por conversa). É a imagem do homem sentado diante de outras pessoas ou chegando até elas para conversar – e delas extraindo pérolas de humanidade, melodrama e humor. É também a imagem do cineasta que passou uma rasteira nas nossas convicções quando mesclou verdade e representação em Jogo de Cena. No máximo, a do repórter perseverante que encapsulou 20 anos da história do país na evocação do Cabra Marcado para Morrer.

Foto: Tuca Vieira

No compacto espaço expositivo da Ocupação do Itaú, o visitante vai encontrar bem mais que isso. Desdobramos os seus 55 anos de cinema em 13 eixos temáticos não cronológicos. Vídeos, fotos, documentos e objetos estão dispostos segundo cortes transversais no tempo, a fim de colocar em evidência algumas constantes e preferências nem sempre evidentes à primeira vista. É possível compreender, por exemplo, como sua curiosidade pelos limites entre o real e o encenado era alimentada desde a aurora de sua carreira, em fins dos anos 1950. O teatro estava presente muito antes de se manifestar o interesse pelo “teatro da vida” que ele faria brotar nos documentários. Da mesma forma, o gosto pelas citações e pelas paródias, embora pouco exercitado na prática, tinha raízes também nos seus primeiros trabalhos.

A relação ora produtiva, ora crítica de Coutinho com a TV fica clara em outro módulo da exposição. As potências da fala, o ouvido atento à espiritualidade das pessoas, o empenho em puxar certos fios da memória, o efeito dos filmes sobre alguns dos seus personagens, a explicitação dos dispositivos dentro de cada documentário, os momentos em que a conversa entrava em crise, o lugar das canções – tudo isso será explorado em som, imagem e papel.

Uma série de documentos, cadernos de anotações, fichas de personagens, notas de decupagem e depoimentos em vídeo permitem uma aproximação inédita às ferramentas do método que ele consagrou.

A exposição, que vai até 24 de novembro, apresenta também alguns itens caros à “mitologia Coutinho”. Entre eles, a câmera principal das filmagens de Cabra Marcado para Morrer em 1981; a cadeira-talismã que, a partir de Jogo de Cena, o realizador fazia questão de acomodar seus interlocutores; sua Olivetti Lettera 22 de estimação; o mapa original do sítio Araçás desenhado numa cena de O Fim e o Princípio; uma de suas inseparáveis bolsas a tiracolo.

A Ocupação se complementa com um site rico em textos e imagens de/sobre Coutinho, bem como uma mostra de filmes na sala de cinema do Itaú Cultural (veja a programação), outros filmes exibidos online, uma masterclass de João Moreira Salles no dia 7 de outubro (leia aqui) e, no final do mês, um curso de quatro palestras a cargo de Consuelo Lins, Cristiana Grumbach, Eduardo Escorel e este que vos fala.

A obra e o personagem

O livro Sete Faces de Eduardo Coutinho possui estrutura atemporal semelhante ao recompor o itinerário do diretor não em fases, mas em faces. Assim, temos o Coutinho estudante, ficcionista, repórter, documentarista social, cineasta de conversa, experimental e, finalmente, o Coutinho personagem de sua própria vida, o homem sempre à borda do pândego e do trágico.

A edição reuniu a editora Boitempo, o Itaú Cultural e o Instituto Moreira Salles, um raro e prestigioso encontro que só a admiração geral pela obra de Coutinho poderia engendrar. O prefácio e a orelha do livro são cortesias de dois grandes amigos, respectivamente, Silvio Da-Rin e Bia Lessa. A edição e preparação de textos foi de Tiago Ferro e o design gráfico, de Mika Matsuzake. A foto da capa é de Daryan Dornelles.

O volume incorpora, com acréscimos e reconfigurações, os textos do meu livro Eduardo Coutinho: o Homem que Caiu na Real, editado pelo Festival de Cinema Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira, em Portugal, em 2003, e que teve distribuição insignificante no Brasil. Fiz a atualização com os filmes posteriores e todas as novas informações encontradas sobre as várias etapas de sua filmografia.

Pelo que esquadrinhei e descobri por aí, posso afirmar que este é o primeiro livro a analisar a obra completa de Coutinho, incluindo trabalhos mais obscuros e projetos não realizados ou reelaborados em função de futuros filmes.

Uma página dupla do livro, sobre foto de Bianca Aun

Sobre o conteúdo, destaco aqui um trecho da minha apresentação:

Coutinho aparece como diretor de teatro e cinema, roteirista, ator e crítico, numa variedade de funções pelas quais passou enquanto não reunia condições de descobrir e assumir, tardiamente, sua verdadeira vocação. É a história de uma carreira de construção aparentemente errática, mas que, examinada com cuidado, revela linhas de evolução menos visíveis e algumas constantes a princípio desapercebidas. Há lugar até para o Coutinho autor de horóscopos satíricos, coisa impensável para quem não conhece todas as suas múltiplas capacidades.

Essa atualização se baseou na consulta a seus principais colaboradores históricos, aos livros e textos mais importantes escritos sobre ele, assim como ao seu acervo pessoal conservado no Cecip e hoje entregue aos cuidados do Instituto Moreira Salles. Foram examinados seus cadernos de anotações manuscritas, brochuras de decupagem, documentação de pesquisa de personagens, diários de filmagem, notas de montagem, correspondência etc. Muitos desses materiais eram inéditos aos olhos de pesquisadores.

Não alimento a pretensão de dar um retrato exaustivo do criador-pensador, nem um estudo definitivo de sua obra. Antes desejo oferecer uma visão panorâmica das circunstâncias que forjaram cada um de seus filmes, das escolhas e processos que os construíram, assim como dos saberes que foram sendo acrescentados à consciência do documentário brasileiro contemporâneo. Saberes que vinham do verbo e se encarnavam nos corpos de Coutinho e dos que ele elegia para conversar.

11 comentários sobre “Edifício Coutinho

  1. Bom dia, Carlos. Sou aluna da faculdade Fmu – Fiam Faam em São Paulo, graduando o 2° semestre de Rádio e TV. Desculpe a informalidade, mas foi o único meio de contato. Estamos realizando um documentário cujo tema é a crítica do Eduardo Coutinho à sociedade do espetáculo, gostaríamos de saber se você aceitaria participar.

    Att,
    Agatha Ferreira.

    • Olá, Agatha, não sei qual seria exatamente a “crítica do Eduardo Coutinho à sociedade do espetáculo”. De qualquer forma, se puder colaborar morando no Rio, estou à disposição.

  2. Prezado Carlos, te enviei por “drive” do gmail e também te enviei um link do wetransfer em seu email o link para o vídeo de dona Luisa na Ocupação. É um relato incrível. Abraços.

  3. Prezado Carlos, estive hoje na Ocupação e encontrei lá uma das personagens do filme Os Romeiros de Padre Cícero, que coincidentemente apareceu lá sem saber que havia a Ocupação. Ela simplesmente reconheceu ele nas fotos e foi entrando. Tenho imagens de Dona Luisa, ela disse que ele se hospedou na casa dela. Incrível! Fico a disposição. fabianozig@gmail.com Abraços!

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