Choque de fábrica

INDÚSTRIA AMERICANA

Antes do crack de 2008 seria difícil imaginar o que vemos no documentário INDÚSTRIA AMERICANA (American Factory), em cartaz na Netflix. Operários americanos se humilhando perante patrões chineses, abrindo mão do poder sindical e sujeitando-se a salários pífios em troca de garantia no emprego. O cenário é a fábrica de vidro para automóveis Fuyao Glass America, aberta em 2015 no lugar de um fábrica GM fechada em 2008 em Dayton, Ohio. Grandes magnatas chineses têm investido pesado na indústria americana desde 2010.

Desfrutando de acesso privilegiado ao chão de fábricas, reuniões internas e celebrações corporativas, nos EUA e na China, os diretores Steven Bognar e Julia Reichert perfazem uma radiografia excepcional do choque de culturas e de modos de vida entre americanos e chineses, designados a trabalharem juntos na planta de Ohio. O filme acompanha também uma visita de operários americanos à Fuyao chinesa, onde testemunharam (alguns supostamente encantados) a retórica da moderna escravidão corporativa made in China. A empresa é decantada como família e virtualmente religião, em moldes que muito se assemelham ao culto político da Coreia do Norte. Enquanto isso, os operários trabalham em turnos de 12 horas, sem medidas de segurança, nem folgas semanais.

Perante o modelo chinês, os trabalhadores americanos são vistos como preguiçosos, falastrões e excessivamente folgados. A ideia de sindicalização é demonizada sem meias palavras. Em torno disso se desenrola boa parte do doc, na medida em que o sindicato tenta se estabelecer na Fuyao America. Uma revelação importante é a existência nos EUA de “consultorias antissindicais”, contratadas pelos patrões para desestimular o engajamento dos empregados.

Julia Reichert é tida como a madrinha do cinema independente americano, tendo já sido indicada três vezes ao Oscar de documentários. Ela e Steven Bognar colheram diversos ângulos dessa relação com grande senso de oportunidade e muita perícia na aproximação dos personagens. INDÚSTRIA AMERICANA revela uma nova face da famigerada globalização e anuncia seu recrudescimento com o avanço da automação e do consequente desemprego.

A importância do tema e, certamente, a reputação de Julia atraíram o interesse do casal Obama, que estreou com esse filme sua produtora Higher Ground. A Netflix exibe como bônus uma pequena conversa dos diretores com Michelle e Barack sobre o assunto.

6 comentários sobre “Choque de fábrica

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