INSTINTO
Estou precisando de um psicanalista. Não é para tratar de um distúrbio meu, mas para me dissuadir de que INSTINTO não é o filme mais abusivo que vi nos últimos tempos. Queria ouvir uma explicação alternativa convincente.
Ao contrário de Elle (Paul Verhoeven) e Una (Benedict Andrews), INSTINTO penetra nas veredas da violação sexual sem as ambiguidades e sutilezas que qualificavam aqueles dois filmes. Além de repleta de inconsistências, essa história da psiquiatra experiente que cai de tesão pelo estuprador colocado sob seus cuidados na prisão é, a meu ver, uma ofensa às mulheres e uma sólida contribuição a favor da cultura do estupro.
Abalada por um difuso trauma familiar ligado à figura da mãe, presa numa redoma de solidão e organização psicótica, Nicoline (Carice Van Houten, de Game of Thrones) não consegue articular minimamente sua expertise diante da atração que sente por Idris (Marwan Kenzari). Mas essa implausibilidade, por si só, não explica a maneira passiva como ela cede às manipulações do paciente e estimula nele a sua própria fantasia de ser estuprada. E ainda demonstra desonestidade no uso do seu poder institucional.
INSTINTO foi concebido e dirigido por uma mulher, a holandesa e também atriz Halina Reijn, e vem sendo apontado como um filme “subversivo” em relação aos dogmas do #metoo. Ao invés disso, vejo ali um arrazoado de defesa da subjugação sexual como atendimento a um desejo que a mulher não seria capaz de admitir sequer a si mesma e a faz sofrer duplamente. Se li o filme de modo completamente equivocado, só um analista mais centrado do que Nicoline poderá me fazer pensar diferente.