A DIVISÃO
A série A DIVISÃO, exibida no Globoplay em 2019, virou filme para contar ficcionalmente como a Divisão Antissequestro da Polícia Civil terminou com a onda de sequestros que assombrou o Rio de Janeiro na segunda metade dos anos 1970. Alguns personagens são identificáveis com figuras reais, como o general (Nilton Cerqueira) que comandava a Secretaria de Segurança Pública e o chefe da Polícia Civil, decalcado em Hélio Luz. Outros deslizam entre a corrupção e a ultraviolência, conferindo uma mancha de amoralidade ao sucesso da operação.
Como costuma acontecer, a coisa pega fogo quando um membro da elite se torna vítima. A filha de um poderoso deputado, candidato a governador do estado, é sequestrada. A DAS (no filme identificada com um “A” a mais) precisa, então, agir decisivamente. É quando se instala o conflito entre os métodos utilizados pelo comandante da Divisão (Silvio Guindane), um novo integrante acostumado a extorquir bandidos (Erom Cordeiro) e o delegado vivido por Marcos Palmeira.
A proposta do filme, um pouco na trilha de Tropa de Elite, é mostrar o trabalho da polícia numa área de sombra moral. Os fins poderiam ou não justificar os meios. E os que posam de heróis nem sempre têm a conduta correspondente. Os sequestros, por sua vez, são evocados como uma rede de negócios onde não só os bandidos se beneficiavam dos pagamentos de resgates.
A DIVISÃO é uma bomba de testosterona, suor e sangue. Vicente Amorim usa sua tarimba eclética junto a uma equipe de primeira no gênero do filme de ação. Não há espaço para sutilezas nem aprofundamento de personagens. A estética de série de TV prevalece sobre a do cinema mediante insistentes closes, ritmo acelerado e uma edição que desorienta espacialmente o espectador em troca da produção de adrenalina.
A mim incomoda a fetichização dos ícones policiais (armas, distintivos, viaturas, tatuagens) e da favela e da periferia como meros cenários de tiroteios estetizados. A brutalização reiterada da moça sequestrada também parece apelar ao instinto mais básico de certas plateias. Quanto à caracterização dos “homens da lei”, imperam os semblantes e entonações de policiais americanos, numa amostra de fidelidade maior aos cânones do gênero do que aos modelos da realidade.