Festival Estação: Atletas, artistas e um Machado

Entre as pré-estreias da segunda semana do Festival Estação Virtual – 35 Anos de Cinema Brasileiro, comento aqui o longa documental Quem Pode Jogar? e os curtas Caruatá, Water Clock e Monte Serrat. Os links dos filmes estão ao final de cada texto.

Trans no esporte

“Esporte não tem gênero”. A afirmação da ex-karateca Dionne Freitas se choca com toda uma tradição de separar homens e mulheres em competições esportivas. Daí a grande questão que fica para atletas transgênero: onde se encaixar? O documentário de longa metragem Quem Pode Jogar?, de Marcos Ribeiro, entra nessa quadra escorregadia para conhecer os desafios enfrentados por seus personagens.

Para a menina trans Maria Joaquina, adotada por um casal gay que administra um centro de patinação, as coisas podem parecer deslizar mais fácil. Desde cedo, ela encontra o apoio e as condições necessárias para se tornar uma grande patinadora. Mas para outras e outros, de origem humilde e formação convencional, a carreira depende de muita determinação. A jogadora de vôlei Isabella Neris e o fisiculturista Juliano Ferreira, por exemplo, contam as dificuldades que encontraram para se lançar em suas modalidades num universo em que todas as regras são criadas por e para pessoas cisgênero.

Um dos argumentos para a rejeição de mulheres trans é que elas teriam vantagens físicas sobre as adversárias. Mas o jogo fica ainda mais complexo num caso como o da lutadora de MMA Anne Viriato, que mudou de gênero mas, por instigação pessoal, prefere lutar contra homens.

Nos intervalos de seus treinamentos, elas e eles comentam o medo que muitxs transgêneros têm de entrar no atletismo por temerem não ser bem aceitos, muitas vezes pelxs próprixs colegas; ou a interferência dos tratamentos hormonais sobre a performance nos “palcos”. A jornalista Helena Lara Resende, que conduz as entrevistas e eventualmente emite opiniões, bem que poderia aparecer no quadro como uma das personagens.

Veja o filme neste link.

Três curtas, três formatos

O curta Caruatá –Vejo o Lugar que me Vê é um pequeno grande gesto de retribuição que Walter Carvalho faz a um dos objetos de suas fotografias fixas. Nos últimos tempos, ele costuma levar consigo certos objetos que fotografa em suas viagens. Na cidade de Caruatá, sertão paraibano, ele clicou uma curiosa mancha na parede de uma velha escola. Como não podia levar a parede, resolveu voltar um ano depois e deixar um pouco de si no lugar. Pintou uma réplica da mancha ao lado da original.

Se toda fotografia é uma cópia precária da coisa (ou da pessoa) fotografada, a duplicação com tinta, no mesmo tamanho, pode ser um pouco mais representativa. Walter, como artista que aspira a diversos tratamentos da visualidade, deixa mais essa marca no mundo. Sua assinatura, largada naquele cantinho arruinado do sertão, à mercê do tempo, tem a singeleza de um afago.

Veja o filme neste link.

Estimulada por sua convivência com a discípula Patricia Niedermeier, a coreógrafa Regina Miranda se lançou recentemente na criação audiovisual com quatro curtas. Um deles, Water Clock, está entre as pré-estreias do festival. No cinema, Regina não foge à dança. Patricia e Marina Salomon performam em relações físicas e virtuais com a água, num jogo incessante de quadros que se sobrepõem e justapõem na tela. Gotas e sussurros. O texto de Regina demanda fones de ouvido para ser (parcialmente) compreendido com suas referências à água e ao tempo. Um curta experimental, enigmático e hipnotizante.

Veja o filme neste link.

O veterano Francisco de Paula (Areias Escaldantes, que também está no festival) comparece com o curta Monte Serrat, baseado no conto Três Tesouros Perdidos, de Machado de Assis (leia aqui). Realizado em conjunto com alunos de cinema de Santos (SP) e fotografia de Jacques Cheuiche, traz nos papéis principais um Nuno Leal Maia quase irreconhecível e o inconfundível Sergio Bezerra. Nuno faz um marido que se julga traído pelo simplório Sr. X e lhe oferece dinheiro para sair da cidade. Depois faz uma descoberta que o deixa triplamente enfurecido. O personagem patético, enganado pela mulher e por si mesmo, dá o tom do filme, que é uma simples ilustração do original transposto para a paisagem santista e a atualidade.

Veja o filme neste link.

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