Sempre no mesmo lugar

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Os personagens centrais de Sempre em Frente (C’mon C’mon) não param de se movimentar. Viajam de Detroit a Los Angeles, depois a Nova York, Oakland, Nova Orleans. No entanto, parecem estar sempre no mesmo lugar, uma vez que seus padrões de comportamento e as questões que os atravessam se repetem e, afinal, não levam a nenhum lugar especial.

No plano mais literal, é uma variação da história do adulto solitário que se vê na obrigação de cuidar de uma criança “difícil” (lembremo-nos de Central do Brasil como um paradigma). Para ajudar a irmã, que viajou para zelar pelo marido em tratamento psiquiátrico, o rádio-jornalista Johnny (Joaquin Phoenix, de O Coringa) fica tomando conta do sobrinho Jesse (Woody Norman), garoto superdotado, hiperativo e com visíveis transtornos psicossociais.

Numa armação pouco sutil do roteiro original de Mike Mills, que também dirige o filme, o ofício de Johnny é viajar por cidades americanas entrevistando crianças sobre o que elas pensam da vida, dos pais, dos adultos e do futuro. Essas entrevistas são documentais, não roteirizadas, e fazem um dos pequenos encantos de Sempre em Frente. É óbvio que algumas das respostas das crianças reais vão ecoar no relacionamento entre Johnny e Jesse. Um relacionamento que oscila entre a irritação mútua e uma previsível afetividade on the road.

A imaginação fértil de Jesse o leva a questionar Johnny em pontos sensíveis e, em certos momentos, a inverter os papéis entre o homem maduro e o menino. O filme, infelizmente, não consegue traduzir esses embates em algo além de discussões passageiras, que se esvaem logo que a cena acaba junto com eventuais citações literárias.

Resta outro pequeno encanto, que é a interação entre Phoenix e Norman. O pequeno ator inglês é de uma espontaneidade e uma expressividade espantosas, para quem Phoenix atua quase sempre como “escada”. Gaby Hoffmann, no papel da irmã de Johnny, também está excelente, assim como a bela fotografia em preto e branco que enfoca com lirismo cada cidade. A escrita de Mike Mills empacota presente e passado, ações e comentários num mesmo fluxo, o que garante um certo charme postiço à narrativa.

No fim das contas, prevalece a psicologia do pragmatismo mais simplório: dar uns bons gritos no mato e logo em seguida um abraço são o melhor remédio para as crises do eu. Um pouco de auto-ajuda, um tanto de buddy movie, um bocado de criança-prodígio – e Sempre em Frente vai seguindo para seu rumo incerto.

>> Sempre em Frente está nas plataformas Prime Video, Google Play e Apple TV.

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