Em fevereiro de 2012 eu participei do júri da crítica internacional no Festival de Documentários e Animações de Mumbai. Findo o evento, aproveitei para visitar algumas cidades do Sul da Índia, que eu não conhecia. Viajava sozinho, mas tinha a companhia divertida e instrutiva dos motoristas-guias que me conduziram num tour privado. Entre as cidades que escolhi, Madurai havia me chamado atenção primeiramente pelos gopurans, as torres hiperdecoradas que se elevam à entrada dos templos.
Madurai já foi capital do reinado Pandya entre os séculos IV e XI. Testemunha disso é o fantástico Palácio Thirumalay Nayak, cuja construção terminou em 1636. O palácio está vazio, mas sua arquitetura enche os olhos com o peso das colunas e os adornos das centenas de arcadas. Ali assisti (e filmei) um espetáculo de luz e som que acontece todas as noites, contando a história da edificação.
Madurai abriga um dos cinco memoriais dedicados ao Mahatma Gandhi na Índia. É um lugar de silêncio, estudo e reverência, onde se pode ver a roupa que Gandhi usava no dia do seu assassinato, manchada de sangue, seus óculos e um par de chinelos, entre outras relíquias.
Mas a maior atração da cidade são os seus muitos templos hinduístas, onde o povo reza, passeia, descansa e as crianças se divertem. A postura dos fiéis dentro dos templos indianos não tem a gravidade comum em igrejas católicas, por exemplo. São lugares cheios de vida, pois a adoração e as atitudes cotidianas pertencem a um mesmo plano.
Além dos templos menores de Kallalagar e Murga, onde gravei cenas interessantes com crianças e velhos sadhus (“homens santos”), dediquei uma tarde e parte de uma noite ao imenso Templo Meenakshi, que equivale a uma cidade dentro da cidade. Dedicado ao casamento do deus Shiva com a deusa Parvati, ladeado por cinco gopurans monumentais, o Meenakshi é um labirinto de santuários, altares, corredores com teto decorado de mandalas ou mosaicos de deuses, pátios, museu, mercado e uma grande área aberta chamada Tanque do Lótus Dourado.
A movimentação é alucinante, com músicas ecoando em alto-falantes, grupos de instrumentistas tocando uma espécie de jazz indiano, fiéis reverenciando suas divindades, rituais fumegantes de incenso, imagens de deuses, representações de nandis (touros sagrados, montarias de Shiva), oferendas e ex-votos. A sensação de estar em meio àquele torvelinho é indescritível. Para quem, como eu, desconhecia o sentido da maior parte do que via, o Meenakshi é de um exotismo delirante. Para culminar, há mesmo um elefante distribuindo bênçãos com a tromba a quem lhe dá alimento e moedas.
Depois de dois dias, deixei a cidade com a impressão de ter vivido um sonho hipercolorido, meio alucinógeno. Ficou gravada nas minhas retinas fatigadas (e na minha câmera MiniDV) a miríade de estátuas de deuses incrustadas nos gopurans dos templos como gigantescas e policromáticas torres de brinquedo. Há muito de lúdico na iconografia hinduísta, e Madurai excede nesse aspecto.
Agora vejam o vídeo, sonorizado com a polifonia local e com a trilha musical que adicionei, de autoria de Ravi Shankar e George Fenton. Roubei-a do filme Gandhi, de Richard Attenborough.