A PRIMEIRA MORTE DE JOANA
Cruzando a difícil passagem da infância para a adolescência, Joana (Letícia Kacperski) recebe a morte como um passaporte para a vida. Não a morte dela, é claro, ao contrário do que sugere à primeira leitura o título do filme de Cristiane Oliveira (que estreou no longa com A Mulher do Pai), mas a morte de uma tia-avó, aos 70 anos, sem nunca ter tido um namorado. Joana fica intrigada, já que está vivendo um momento em que o amor começa a parecer fundamental.
A Primeira Morte de Joana procura articular esse tema do despertar amoroso e sexual com outros filões de interesse contemporâneo: o exame de uma comunidade conservadora (luterana) de descendentes de colonos alemães no Rio Grande do Sul; o bullying que afeta a amizade enamorada entre Joana e sua coleguinha Carol (Isabela Bressane), o que aproxima o filme tangencialmente do belga Close, também em cartaz; o avanço do progresso sobre os recursos naturais, com a construção de uma usina eólica ameaçando o equilíbrio da sedutora natureza sulina. Os altíssimos moinhos de vento da usina, recém-instalados, simbolizam os ventos de mudança, para o bem e para o mal.
Há ainda elementos mágicos que se insinuam tanto na imagem quanto na sugestiva paisagem sonora. O bosque atiça a imaginação fértil e receptiva de Joana, assim como o candomblé frequentado por sua mãe injeta fluidos sobrenaturais – e um tanto exóticos para o ambiente circundante.
O enigma da tia-avó lança Joana em especulações sobre a família e sobre si mesma. Ela começa, então, a desvendar segredos da vida afetiva da mãe e da avó, dissimulados sob uma fachada tradicionalista. A maquiagem aplicada ao cadáver da tia-avó, que nunca usara cosméticos, ilustra a capa de convenções com que se tenta normatizar o que é fora da norma. Joana descobre, assim, que ser “diferente” não é algo tão incomum.
Todos esses elementos se conjugam de maneira não muito natural no roteiro escrito por Cristiane e a atriz Silvia Lourenço. A constante fragmentação da narrativa sugere uma necessidade de ir “encaixando” os vários assuntos a fim de que caibam todos na mesma história. O filme padece também de uma dialogação às vezes artificial e um ritmo deliberadamente moroso.
Tem, porém, qualidades de capricho visual na fotografia de Bruno Polidoro, que se refletem na busca de uma atmosfera levemente sensual e na relação entre a natureza e as inquietações de Joana. Em várias cenas, a exclusão de interlocutores (ou de partes de seus corpos) do quadro visual tenta – assim entendi – pontuar a distância entre a sensibilidade da protagonista e os representantes da autoridade e da tradição. A montagem de Tula Anagnostopoulos, que contou com consultoria de Cao Guimarães, aspira à fluência de vasos comunicantes.
>> A Primeira Morte de Joana está nos cinemas.