Na semana passada o Festival de Roterdã assistiu em première mundial ao novo filme do pernambucano Gabriel Mascaro, autor do polêmico Um Lugar ao Sol. Mais uma vez, Gabriel enfoca a relação de pessoas com sua moradia e a cidade. Mas Avenida Brasília Formosa se ocupa de uma faixa social bem diferente dos habitantes de coberturas do outro filme. A atitude do diretor também se altera diametralmente.
Estamos num bairro periférico de Recife, a favela Brasília Teimosa, cenário de uma célebre visita de Lula recém-eleito e seus ministros em janeiro de 2003. Já antes disso, em 2001, a orla do bairro tivera removidas suas palafitas para dar lugar à abertura da Avenida Brasília Formosa, rapidamente transformada em foco de especulação imobiliária. Esse tipo de informação, embora importante para se compreender as motivações dos personagens, nos chega de maneira oblíqua, como se encaixadas num roteiro de ficção.
Mascaro apresenta o filme como ficção, o que – desconfio – serve apenas para explorar a ambiguidade do seu registro observacional dos moradores reais de Brasília Teimosa. A não ser que aquelas pessoas não sejam o que estão representando na tela, trata-se de um documentário. As coisas giram em torno de Fábio, garçom que nas horas vagas trabalha como cinegrafista amador e tem outros pendores mais surpreendentes. O caminho de Fábio se cruza com o de Débora, manicure que o contrata para gravar seu book com vistas a uma vaga no Big Brother. Cruza-se também com o do menino Cauã, cuja festa de cinco anos é animada e gravada por ele. Temos, ainda, um tanto deslocado dessa rede central, o pescador Pirambu, que teve sua economia doméstica afetada pela remoção das palafitas.
Em vez de ficção, estamos diante de um documentário que procura escapar de cânones expositivos mais clássicos. Os fragmentos de informação sobre o cotidiano dos personagens e, por extensão, do ambiente do bairro fluem casualmente de conversas entre parentes e amigos, em casa, em bares ou no trabalho, e não sem algumas situações criadas artificialmente. A trilha sonora (proveniente das cenas) embebe as imagens no caldo brega de Recife.
Nada disso contradiz o espírito do doc moderno a ponto de ser visto como ficção. O que caracteriza, de fato, Avenida Brasília Formosa é a decisão de não buscar um eixo dramático definido. O filme tenta bastar-se nos fragmentos, na ausência de um “grande sentido”, seja ele sociológico ou antropológico. Para uns, isso pode soar como incompletude. Para outros, pode ser frescor.
O que ninguém vai discutir é o capricho formal de Mascaro, que se reflete tanto no planejamento de tomadas expressivas sobre a relação das pessoas com a arquitetura e o urbanismo, quanto na qualidade das imagens captadas pelo cearense Ivo Lopes Araújo. Quem conhece Sábado à Noite, dirigido por Ivo, sabe o que pode esperar da fotografia noturna de Avenida… É algo próximo do virtuosismo. Por isso mesmo, às vezes temos a impressão de que a pesquisa estética é tão ou mais importante que a investigação temática do choque entre as Brasílias Teimosa e Formosa.
Veja o trailer do filme:
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