Casi dos hermanos

No inicio de abril, ainda sob os eflúvios do Oscar para O Segredo dos Seus Olhos, fui entrevistado pelo crítico e repórter Paulo Henrique Silva, do jornal mineiro Hoje em Dia, a respeito de supostas rivalidades cinematográficas entre Brasil e Argentina. A seguir, transcrevo os trechos com minhas declarações.    

Mas é claro que vale a pena acessar a matéria na íntegra. Paulo Henrique ouviu também a crítica Neusa Barbosa e incorporou escritos do cineasta Walter Salles.

O sucesso no maior prêmio da indústria faz da Argentina o Pelé do cinema? Para muitos críticos, ter no Oscar um padrão de qualidade é um equívoco. “Isso acaba desfocando a verdade das coisas. Basta lembrar que, com apenas um filme, ‘Cidade de Deus’, tivemos uma influência muito maior no mercado externo do que todo o cinema argentino em sua história. Fernando Meirelles criou um modelo que foi copiado da África do Sul aos Estados Unidos”, destaca Carlos Alberto Mattos, crítico, pesquisador e autor de vários livros sobre a produção brasileira.

Embora não concorde com a comparação, Mattos salienta que o cinema argentino atual possui características muito peculiares, que explicam boa parte do êxito no estrangeiro. Um deles é o cuidado com o desenvolvimento de uma dramaturgia de gosto internacional. “Eles fazem filmes em que os temas e os personagens estão mais próximos do espectador. Mesmo aqueles que têm uma certa excentricidade, como Pablo Trapero (de ‘Leonera’), revelam uma grande preocupação com a narratividade”.

Para o crítico, a cinematografia de nossos hermanos “junta o desejo de diálogo próximo e concreto com o espectador com o aprofundamento das questões”. Ele define os realizadores daquele país como cultos, mas que têm uma objetividade maior em termos de produção dramatúrgica. “Eles estão menos isolados internacionalmente do que a gente, até por causa do idioma. Quando fazem um filme, estão pensando num grande mercado de língua espanhola”, observa.

(…)

Por que o cinema nacional não segue este mesmo caminho? Mattos registra que os diretores brasileiros têm a tendência de procurar mais a experimentação, buscando uma linguagem distante da TV. “A televisão é muito forte no Brasil, estabelecendo um padrão de dramaturgia muito presente e influente. Por isso, nosso cinema geralmente busca fazer algo mais radical, de pesquisa estética e dramatúrgica”, afirma.

Para ele, o ideal é que a cinematografia brasileira achasse um meio termo. “Há um grupo grande que vai ao extremo na busca da experimentação e outro que faz o produto banalizado e comercial, sem uma identidade forte, como comédias românticas de resultado imediato, que trabalham numa linha auxiliar da produção televisiva. Estes filmes funcionam no país, mas não têm a estatura da universalidade, com temas que atinjam plateias internacionais”.

Isso não quer dizer que o país não conte com cineastas que possam se encaixar neste grupo do “meio termo”. Mattos cita Walter Salles, Murilo Salles, Fernando Meirelles e Anna Muylaert como donos de um tipo de dramaturgia que “conjuga uma eficaz comunicação com o público e a busca de temas inteligentes”.

O problema, segundo o pesquisador, é que eles ainda pertencem a um grupo bem menor do que deveria ser o ideal. “É chato dizer que o argentino é humilde, mas o nosso vizinho consegue deixar de lado a vaidade e que certos valores fiquem em segundo plano na hora de produzir um filme”.

Um comentário sobre “Casi dos hermanos

  1. O texto fala de cineasta argentinos com maior comunicação popular. Mas a atual “ídala” dos cinéfilos muderninhos e de parte da cr´tica e premiações em festivais é a Lucrecia Martel cujos filmes não são extamente populares sob nenhum ponto de vista do que seja “popular”.
    Não sou entusiasta de todos os filmes do Pablo Trapero, mas considero “Leonera” um excelente filme menos valorizado do que deveria, com um desempenho muito sensível da atriz Martina Guzman. Em Cannes foi a também ótima Sandra Corveloni no filme do Walter Salles “Linha de Passe” que levou o prêmio de interpretação, mas meu voto seria para a Martina.
    Já “O Segredo dos seus olhos” não me convenceu nem um pouco: um produto composto de ganchos que jogam para a plateia, sim, com habilidade, sim, com um desenvolvimento ambíguo entre drama criminal romântico e comédia, misturado com justiça pelas próprias mãos (final indigno) em uma salada mal harmonizada. Sucesso de público e de parte da crítica tão merecido como o de tantos produtos hábeis do cinema e TV dos EUA, onde o diretor trabalha e onde aprendeu o segredo do sucesso bem embalado para presente (de grego).
    Concordo que noss aofrte estética televisiva provoca os coneastas que desejam uma proposta mais ousada, mas o que também se vê é, no extremo oposto, a rendição e sumbissão à dramaturgia da TV, piores do que o que é feito na TV, sem alma nem autenticidade. E aí vem aonda de filmes espíritas. Tá feia a coisa pro nosso cinema…

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