Memória e melancolia

A mostra competitiva de ficção do Festival de Brasília apresentou ontem um dos filmes mais esperados da edição deste ano. Avanti Popolo tem sido apreciado em diversos festivais internacionais por sua maneira inovadora e minimalista de se reportar aos tempos da ditadura militar no Brasil. Na verdade, quase nada se fala diretamente de política. Um homem recém-divorciado se hospeda na casa do pai e tenta trazer a luz de volta àquele lugar meio lúgubre e depauperado. A luz vem não só de uma janela que ele procura abrir, mas também da memória que ele quer devolver ao velho através de filmes Super 8 rodados nos anos 1960 e 70 por seu irmão desaparecido há 30 anos.

Que o pai seja vivido por Carlos Reichenbach (sua despedida da frente das câmeras) e o filho pelo pesquisador e professor de cinema André Gatti é o principal – mas não o único – vínculo que Avanti Popolo quer criar entre cinema e política, entre cinema e vida. A presença no elenco do crítico e realizador Eduardo Valente, do “cineasta artesanal” Marcos Bertoni  e de uma cachorra ficcionalmente chamada Baleia acrescenta camadas a esse diálogo, ora bem-humorado, ora quase exasperante . Tudo isso atribui ao filme um valor afetivo importante para quem compartilha o meio cinematográfico, mas a admiração de tantos críticos internacionais indica que o trabalho vai além das referências internas.

O estilo rigoroso do diretor Michael Wahrman (uruguaio que cresceu em Israel e se radicou em São Paulo desde 2004) confere uma personalidade muito própria ao filme, que dentro do panorama do cinema brasileiro parece um objeto melancólico vindo da Rússia ou da Romênia. Além de um longo prólogo filmado no parabrisa de um carro rodando na madrugada e de duas ou três sequências passadas em lugares distintos, o essencial da história é contado através de três composições fixas que se repetem, claustrofóbicas e inalteradas. A “janela” que temos são os filmes Super 8, que não parecem interessar tanto ao velho “Sr. Gatti” (Carlão), mais empenhado em descobrir o paradeiro de sua cachorra Baleia. Nem mesmo ao filho parece interessar tanto o contato com o pai quanto com suas próprias ruminações.

Um sutil processo de substituições se opera. O filho desaparecido pela cachorra, a realidade pelos filmes, a lutas que ficaram para trás pelos hinos remanescentes. É difícil separar o que há de humor e de tristeza em Avanti Popolo. Assim como é difícil prever o que esse filme dirá a uma plateia que não se sintonize com suas pachorrentas idiossincrasias.

O curta pernambucano Au Revoir, de Milena Times, também lida com uma substituição. Uma jovem brasileira estudando  na França preocupa-se com a mãe doente no Brasil e descobre numa vizinha solitária um objeto para dedicar seus cuidados. O filme conduz esse fiapo de trama com passos de veludo. A atriz Rita Carelli (filha de Vincent Carelli) faz um belo trabalho de interiorização e demonstra um domínio perfeito do tempo de fala. Um curta sensível e forte, o melhor de ficção que vi até agora.

A animação Faroeste – Um Autêntico Western, de Wesley Rodrigues (Goiás), mescla de forma um tanto atabalhoada ingredientes do bangue-bangue, do imaginário urbano e do filme de samurai para contar uma história de massacre e vingança entre animais. Não me animou muito, mas agradou ao animador Marão, presente aqui em Brasília.

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