Que a obra de José Leonilson (1957-1993) era extremamente pessoal a gente sempre soube. Mas é o audiovisual póstumo que nos tem informado sobre o seu caráter de diário mesmo do artista, repercussão direta de seus anseios, encontros, dilemas e sonhos de rapaz romântico e carente.
As fitas cassete de seu diário oral, iniciado em 1990, formam a base de A Paixão de JL. Karen Harley já havia feito o mesmo no belíssimo vídeo de curta metragem O Oceano Inteiro para Nadar, em 1997. Para cada instante confessional, Karen encontrou a pintura, o bordado ou o detalhe de obra adequado, desvendando universos de significação completamente límpidos, imediatos e reveladores.
A maior diferença, para este longa de Nader, além da duração, é a quase total concentração do filme na vida amorosa e na aproximação da morte de Leonilson. Embora passe aqui e ali por assuntos outros, Nader privilegiou os comentários sobre a solidão e os “meninos lindos” que JL conhecia e pelos quais rapidamente se apaixonava; as reflexões sobre a condição de gay e a preocupação com um eventual desapontamento dos pais; a descoberta do HIV positivo, o avanço da doença sobre seu corpo e até as alucinações do período terminal.
Como fizera antes com Waly Salomão em Pan Cinema Permanente, Nader se deixa contaminar pelo personagem que evoca postumamente. O que ele faz, nesse caso, é uma delicada costura intertextual do áudio-diário com as obras que tematizam sutilmente cada sensação ou acontecimento, trechos de filmes citados por Leonilson e imagens de atualidades que conectam a experiência pessoal com a experiência do mundo.
Se não tem a originalidade de uma revelação na filmografia brasileira, A Paixão de JL amplia a nossa imersão, em chave doce e triste, no universo de um artista intimista a não mais poder. ♦ ♦ ♦
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