Pílulas críticas sobre CERTO AGORA, ERRADO ANTES, MEMÓRIAS SECRETAS e A VINGANÇA ESTÁ NA MODA
Uma das características do diretor coreano Hong San-soo é combinar situações muito simples e diretas com dispositivos narrativos curiosos. Ora são diálogos que se repetem com pequenas variações dentro de um mesmo filme, ora são cenas que espelham cenas de outros filmes seus, dando a impressão de que na verdade ele faz um único filme em modulações diferentes. Há quase sempre um casal jovem, um homem casado e alguém ligado ao ofício do cinema. Em CERTO AGORA, ERRADO ANTES, um cineasta visita um subúrbio de Seul para comentar um filme e se enamora por uma jovem pintora. Depois de uma hora de projeção, o filme recomeça para narrar o mesmo encontro, mas com os personagens sendo mais sinceros e chegando a resultados emocionais bem distintos.
Quem se apegar apenas ao que é dito na tela vai desfrutar do feitiço de atores excepcionais interagindo como se nada tivesse sido antes escrito e ensaiado. Os apreciadores de Eric Rohmer, de Yasujiro Ozu e da trilogia romântica de Richard Linklater vão reencontrar semelhante naturalismo e o mesmo gosto pela conversa longa e enredante. Para quem curte a maneira de filmar, Hong San-soo oferece sua decupagem nada funcional, como se cada movimento de câmera ou zoom obedecesse apenas a um capricho do diretor. Tudo nele é extremamente simples e aparentemente desprovido de segundas intenções. Os diálogos atravessados pelo constrangimento ou pela embriaguez inocente conduzem irremediavelmente à sublimação do amor, um amor que se transfere das pessoas para o cinema, como sugere a sequência final. A solidão e a infelicidade, latentes nos personagens, se diluem nas delicadezas que dão à rotina o seu encanto.
Um thriller de suspense em que tanto o herói quanto os vilões são velhinhos dementes ou quase inválidos já desperta curiosidade de saída. Os nomes de Atom Egoyan na direção e de Christopher Plummer no papel central acrescentam mais interesse. Com esses valores, MEMÓRIAS SECRETAS dificilmente vai causar grandes decepções. Na história, um sobrevivente de Auschwitz com perda de memória segue as instruções da carta de um amigo para se vingar do nazista que eliminou sua família. Pode-se dizer que esta é a última possibilidade de tratar desse assunto com personagens ainda vivos. Os mais jovens carrascos e vítimas de Hitler que ainda não morreram estão hoje na faixa dos 90 anos. Daqui em diante, é toda uma vertente dramatúrgica que sai da cena contemporânea. A senilidade de Zev Guttman (Plummer) é praticamente uma metáfora desse desaparecimento.
Lembrei-me da trama de “Ação Entre Amigos”, de Beto Brant, que lidava com uma vingança remota contra torturador do regime militar. Mas se o filme de Brant tratava de dilemas de consciência, MEMÓRIAS SECRETAS aborda a questão da farsa e da supressão da memória. Oficiais da SS teriam assumido a falsa identidade de vítimas judias para se safarem da condenação jurídica e social. Não sei dizer se a hipótese é real, mas o que o roteiro de Benjamin August desdobra, com a sucessão de viagens do velho Zev e a grande surpresa do desfecho, é mais mirabolante e cheia de improbabilidades do que qualquer realidade pode suportar. Daí o filme parecer mais um divertimento hollywoodiano do que um ensaio sério sobre o assunto.
Embora dirija de maneira bastante funcional, sem nenhuma de suas marcas de estilo autoral, Egoyan cria terra firme com a sutil performance de Plummer, calcada em minúcias de corpo e expressão.
Imagine um espantalho vestido com pedaços desconexos de roupas de grandes grifes. Assim me pareceu A VINGANÇA ESTÁ NA MODA (nada a ver com a cena política brasileira atual). A primeira cena é de western. Uma espécie de Tieta do agreste australiano desembarca em sua cidade natal nos anos 1950 para se vingar dos que a expulsaram dali quando criança. Bem-sucedida como estilista, ela vai protagonizar um misto de comédia de província, thriller de revanche e dramalhão familiar cujas pontas simplesmente não se costuram. O humor é sempre caricato e às vezes mesmo grotesco (no mau sentido). O desenvolvimento dos personagens não faz o menor sentido, variando entre a tipologia estereotipada e a transformação estapafúrdia. O elenco parece ter sido estimulado a um constante overacting, o que, se já era marca de Judy Davis, é lamentável que atinja até mesmo Kate Winslet em alguns momentos.
O filme usa e abusa do clichê de que basta mudar a roupa de uma mulher para milagrosamente alterar seu andar, gestos, fala, temperamento e personalidade. O mesmo princípio rege as mudanças súbitas de registro, gênero e andamento que fazem desse muito tolo “The Dressmaker” um pastiche de Wes Anderson comprado em ponta de estoque.