A gente não precisa viver no Brasil para verificar que Spielberg está fazendo um retrato idealizado da imprensa em THE POST – A GUERRA SECRETA. O jornal Washington Post tem um histórico cambiante de apoios ora aos republicanos, ora aos democratas. Na época da guerra do Iraque, publicou 47 editoriais a favor da invasão por George W. Bush. Ultimamente tem sido criticado por conta de um contrato entre seu atual proprietário, Jeff Bezos (o maior acionista da Amazon), e a CIA.
Mas para Spielberg, o Post de 1971 era a tribuna de uma mulher que não tinha medo de tomar decisões arriscadas. Katharine Graham (Meryl Streep, claro) havia herdado o jornal do pai com a morte do marido. Ela enfrenta dois dilemas quase simultâneos: abrir ou não o capital da empresa para tentar se lançar no mercado dos grandes jornais; e publicar ou não as mentiras de quatro governos sobre a guerra do Vietnã, coletadas nos Pentagon Papers vazados por Daniel Ellsberg, um precursor de Julian Assange e Edward Snowden.
Spielberg esbanja dinamismo e poder de síntese ao resumir o ato de Ellsberg nos primeiros minutos e, em seguida, transformar as discussões entre Katherine e seus editores (todos homens) em embates éticos movimentados. A distância no tempo afasta muito THE POST da urgência de Todos os Homens do Presidente – do qual, aliás, parece uma prequel – mas o aproxima das necessidades americanas de hoje, quando a imprensa e Hollywood batem de frente com o governo Trump.
THE POST é uma ode à liberdade de imprensa num país e numa época em que, ao contrário do Brasil de hoje, o termo não se confundia com liberdade de empresa. Há um claro encantamento até mesmo pelo esforço físico despendido pelos jornalistas de outrora ou pela beleza mecânica das máquinas na era da tipografia. Não seria Spielberg se não desembocasse no elogio do herói liberal, aqui também com um aceno ao feminismo.
O cartaz americano do filme tem apenas quatro palavras em destaque: “Streep. Hanks. The Post”. É provável que o papel de Tom Hanks (o editor Ben Bradlee) tenha sido inflado para dar margem à inédita interação da dupla de astros. De resto, THE POST é a soma de competência técnica e simplificação dramatúrgica.
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