A palavra e a imagem como armas

AMÉRICA ARMADA – Festival de Brasília

Raull Santiago no Alemão

Que a chamada guerra às drogas faz mais vítimas do que as próprias drogas, isso já sabemos de sobra. Mas é bom que um filme nos leve para dentro dessa contradição, como é o caso de AMÉRICA ARMADA, cartaz de encerramento do 51º Festival de Brasília, na noite de domingo.

O documentário de Alice Lanari e Pedro Asbeg visita as ações de três bravos militantes latino-americanos. No Rio, o videoativista Raull Santiago confronta policiais que ocupam casas de moradores no Morro do Alemão, instalando uma ditadura policial com a desculpa de combater traficantes. Na Colômbia, Teresita Gaviria, líder da ONG Madres de la Candelaria, atende outras mães que, como ela, tiveram maridos e/ou filhos perdidos para os conflitos entre o narcotráfico, a guerrilha e o exército que há 50 anos mortifica o país. No interior do México, o fotojornalista Heriberto Paredes colhe testemunhos e histórias de comunidades indígenas que se armaram e formaram polícias comunitárias para se defender contra os cartéis do tráfico e o estado leniente.

Todos os três vivem em perigo, explicita ou implicitamente ameaçados de morte. Teresita anda ladeada por dois seguranças. Heriberto já foi ameaçado diretamente num México que viu morrerem 100 jornalistas em ação desde 2006. Raull se coloca frequentemente na mira dos policiais que filma com seu celular. Contra tudo, eles estão armados somente com a informação e o esclarecimento.

A palavra e a imagem, portanto, têm papel fundamental em seu ativismo. AMÉRICA ARMADA abre um espaço maior para a palavra do que para a imagem. O discurso de cada um, captado nas interações com outras pessoas, dá conta de um quadro de tensões à flor da pele. No entanto, falta um pouco mais de aproximação real ao teatro de suas atividades.

A exceção é o carioca Raull, que vemos em meio a situações de violência no Alemão, retratado como um cenário de guerra civil, tal a quantidade de marcas de tiros nas fachadas. Numa sequência, ele acompanha e denuncia um tiroteio forjado por policiais para sabotar um protesto dos moradores. Quanto à colombiana Teresita, é uma pena que fique somente enunciada uma de suas mais corajosas iniciativas: levar parentes de vítimas à presença dos matadores que já estejam na prisão, alegando que todos são, no fundo, sobreviventes. Esse é o tipo de cena que, num documentário, não basta ser mencionada.

No México, apesar das reflexões contundentes de Heriberto (sósia de Javier Bardem jovem) sobre o “capitalismo criminal” (a violência como negócio, objeto de milícias), o quadro das “autodefensas” resta um tanto confuso para o espectador leigo no assunto.

O tempo relativamente curto passado pelos diretores junto aos personagens pode explicar essas lacunas, que dão ao documentário um certo ar de reportagem televisiva. De qualquer maneira, AMÉRICA ARMADA fornece um instantâneo vívido de três heróis da resistência numa América Latina que parece marcada para morrer.

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