Sobre a comédia francesa O PODER DE DIANE e o drama italiano MINHA FILHA
Diane, a protagonista da comédia francesa O PODER DE DIANE, é uma garota descolada que aceita servir de barriga de aluguel para um casal de amigos gays. Ela é tão descolada que julga possível descolar o cérebro de outras funções do corpo. Acha também que pode separar o fato de ficar grávida da realidade de ter um filho. Diane é aquele tipo de personagem que a gente espera sofrer alguma transformação ao longo do filme. Mas que transformação?
Certamente não é a física, com as limitações da gravidez. Diane às vezes desloca o ombro, uma brincadeira com o título original “Diane a les Épaules” (a expressão “a les épaules” ou “tem ombros” significa em francês ter condições para fazer determinada coisa). O poder de Diane é o de escolher o que quer fazer com o próprio corpo e com seu afeto. O desapego num caso de inseminação artificial seria um déficit de instinto materno?
Essa liberdade lhe causa problemas quando, durante a gestação, ela se apaixona por um rapaz e cria uma zona de ciúme paternal com os amigos gays. O diretor e roteirista Fabien Gorgeart conduz a narrativa num tom de comédia leve, mas perspicaz na maneira como capta as “saias justas” dentro desse insólito quadrilátero afetivo.
Trunfo inestimável do filme é o desempenho descontraído e veraz de Clotilde Hesme. Num papel que não favorece muito a identificação da plateia, ela no entanto logra transmitir um grande senso de humanidade por trás da postura independente de Diane. A atriz brilha especialmente na sequência inusitada de um parto onde a mãe tenta retardar a ejeção do bebê. Veja o filme e entenda por quê.
Nada podia soar mais esquemático que o contraste entre as duas mães da pequena Vittoria em MINHA FILHA. Tina, a mãe adotiva, é uma morena trabalhadeira e tão devota de Nossa Senhora quanto da menina adotada desde o parto que ajudou a fazer. Angelica, a mãe biológica, é uma loura devassa, perdidona, que rejeita a filha desde que lhe deu à luz. O filme de Laura Bispuri, assim como a pequena Vittoria, trafega entre uma e outra, vendo-as com olhos diferentes a cada vez.
A história parte de uma premissa dificilmente sustentável. Tina (Valeria Golino) tomou Vittoria (Sara Casu) para si através de um certo acordo informal, segundo o qual Angelica (Alba Rohrwacher) receberia algum tipo de ajuda. Mas quando a garota começa a se aproximar demais da mãe natural, o conflito se instala.
MINHA FILHA pretende examinar distintas acepções do sentimento filial. Há aquele sentimento atávico, provido pelo sangue, capaz de contornar muitas adversidades. E há a necessidade de proteção e afeto verdadeiro, que independe do laço genético. Em dado momento, os perfis emocionais das duas mulheres parecem se inverter, dando margem a uma expectativa mais uma vez esquemática. Qual delas seria a mais desequilibrada? Por outro lado, Vittoria vai encontrar nessa dupla experiência um caminho de amadurecimento e compreensão do mundo. Afinal, apesar dos contratempos, este quer ser um filme para você se sentir bem.
É possível fazer umas tantas abstrações a partir do que vemos na tela, mas não que a dramaturgia ajude muito. À aridez da paisagem da Sardenha corresponde a aridez das personagens. As interações entre as duas mães carecem de plausibilidade, e os problemas de roteiro se multiplicam. Não só o evento original da adoção soa estapafúrdio, como o desfecho dramático numa necrópole acontece de maneira inteiramente despropositada. Ao longo de diálogos e situações repetitivas, a sombra do dramalhão se espalha sem viço nem solenidade.