SOLDADO ESTRANGEIRO e VENTO DE SAL no É Tudo Verdade
José Joffily tem dedicado parte de sua carreira, em ficção e documentário, ao tema de cidadãos brasileiros no exterior. Assim foi com Dois Perdidos numa Noite Suja, Olhos Azuis e Caminho de Volta. A esses soma-se agora SOLDADO ESTRANGEIRO, um estudo observacional de três jovens que se integraram a exércitos estrangeiros. O filme se enquadra também em outro veio da filmografia de Joffily, que investiga vocações de grande envergadura, como a política (Vocação do Poder) e a religiosa (O Chamado de Deus). Aqui ele reedita a parceria com Pedro Rossi, com quem dirigiu também Caminho de Volta.
Cada um dos três personagens encontra-se num estágio de seu engajamento militar. Bruno Silva deixa a filha, a mãe, a igreja evangélica e o ambiente de violência da Baixada Fluminense para se alistar na Legião Estrangeira, na França. Sua vocação está em pleno florescimento, e o filme acompanha seus testes de admissão no Forte de Nogent.
Na Faixa de Gaza, presenciamos Mario Wasercjer em plena ação no Exército israelense, rondando estradas e vasculhando casas de palestinos em busca de terroristas. Ele é o soldado perfeitamente integrado ao métier que escolheu. Imagens da câmera do seu capacete são absorvidas para transmitir o clima de suas missões.
Felipe de Almeida, por sua vez, é um sniper veterano do Afeganistão residente em Nova York e praticante do budismo. Lidando com um transtorno de estresse pós-traumático, ele batalha agora para limpar seu nome nos anais da Marinha americana e tocar a vida adiante.
Ao mesmo tempo que evolui nas fases de cada um, o filme avança do personagem mais simples para o mais complexo. Joffily e Rossi aparentemente não fizeram muitas perguntas, à exceção de um momento em que tentam retirar de Mario alguma declaração sobre inimigos e terroristas. De resto, SOLDADO ESTRANGEIRO se baseia num acesso eficaz a centros de treinamento, veículos militares e conversas íntimas, sempre procurando as imagens que melhor situam o espírito de cada rapaz em relação ao lugar onde está. A capacidade de síntese da montagem de Jordana Berg é nada menos que brilhante para compor os perfis de cada rapaz. Faz falta apenas alguma informação sobre o que levou Mário a Israel.
Das expectativas singelas de Bruno à euforia de Mário e à confusão mental de Felipe, o documentário abre uma janela inédita para uma concepção muito especial de exílio. E o faz com enormes competência e sensibilidade.
Anna Azevedo, uma das mais criativas curta-metragistas brasileiras, traz em VENTO DE SAL um filme minimalista e poeticamente simples. Uma câmera fincada na areia de uma praia em Nazaré, Portugal, observa dois idosos às voltas com a secagem de peixes no estendal. O processo artesanal e a idade dos silenciosos protagonistas evocam uma lusitanidade muito profunda, banhada na luz fria de uma tarde de vento.
Apenas um leve movimento lateral da câmera, para passar do homem à mulher, retira o filme de sua plácida fixidez. Dentro do quadro, ele e ela se deslocam num ritmo calmo e persistente, como se nada mais houvesse para fazer neste mundo. A saga da velha senhora para cobrir os estendais com folhas de plástico, lutando contra o vento, é coisa que sucessivamente nos intriga, impacienta e, por fim, encanta. O curta nos convida a suspender a pressa e apreciar o que não a tem.
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