Ana e Hanna, que amam o mar

MULHER OCEANO em cinemas

Mulher Oceano tem as virtudes e limitações de filmes que nascem mais a partir de um conceito que de uma história. No caso, as infinitas possibilidades associativas entre o mar e o feminino. Djin Sganzerla, estreando na direção, vive duas mulheres ligadas ao oceano. Uma, fisicamente. É Ana Bittencourt, nadadora carioca em preparação para uma longa travessia oceânica. A outra, intelectualmente. É Hanna Visser, escritora dedicada a escrever um romance poético sobre a relação entre Ana e o mar.

Ana está no Rio; Hanna mudou-se há pouco para Tóquio com o marido, mas está morando sem ele e passa seu tempo deambulando pela cidade na companhia de um poeta e fotógrafo japonês (Kentaro Suyama). Se Ana mergulha no seu objeto de paixão, Hanna mantém-se à distância numa Tóquio sem mar. Admira, porém, quem mergulha (“o abismo é muito maior se não mergulhamos nele”). Por isso se desloca até uma baía para admirar o trabalho das “amas” – mais uma ana-logia com seu nome –, as pescadoras tradicionais que mergulham até o limite do fôlego (leia minha resenha do documentário Ama-San, sobre elas).

À medida que as duas protagonistas sutilmente vão se espelhando, o dispositivo dramático de Mulher Oceano passa a lembrar o de A Dupla Vida de Véronique, de Kieslowski, dividido entre a Polônia e a França. Embora Ana seja claramente o objeto de inspiração de Hanna, elas podem ser vistas como duas faces de uma mesma mulher: a que vive a fundo suas experiências, inclusive místicas no candomblé, e a que opera com a mediação da arte e da literatura. A cena em que Hanna se deixa fotografar com imagens de mar sobre seu corpo reitera essa mediação.

Os conceitos estão postos no filme de uma maneira elegantíssima e visualmente prazerosa ao extremo. A fotografia de André Guerreiro Lopes (marido de Djin) é espantosamente bela, seja nas ondas e encostas da baía de Guanabara, seja na féerie da capital japonesa. Há uma evidente intenção de explorar o apelo visual de Tóquio e Nara em seus elementos mais típicos – ruas lotadas, luminosos resplandecentes, lojas, restaurantes, templos, vielas, trem-bala.

O que faltou foi um argumento sólido que desse mais consistência ao aparato conceitual. Na passagem à verbalização, o filme fraqueja em conversas de ritmo e condução vacilantes. Exemplo disso é o encontro de Hanna e Yukihiro no restaurante, quando nem os assuntos nem a comida são praticamente tocados. Mulher Oceano se ancora quase completamente numa premissa potencialmente poética, mas que não se desenvolve dramaticamente a contento. Ficam, porém, intactas, a beleza e a graça de Djin, assim como a sedução irresistível de um filme muito bem concebido em matéria de som e imagem.

4 comentários sobre “Ana e Hanna, que amam o mar

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