O verão da acessibilidade

CRIP CAMP: REVOLUÇÃO PELA INCLUSÃO na Netflix

No verão de 1971, uma equipe do People’s Video-Theater filmou o cotidiano de uma colônia de férias para adolescentes e jovens portadores de deficiências na serra de Catskills, estado de Nova York. Nada fazia prever que nascia ali um segmento importante do movimento pelos direitos civis nos EUA. Vários frequentadores do Camp Jened se tornariam ativistas vitoriosos na luta pela acessibilidade e contra a segregação de pessoas com limitações físicas.

Essa história inspiradora é contada no já consagrado documentário Crip Camp: Revolução pela Inclusão (Crip Camp), terceira investida cinematográfica do casal Obama e sua produtora Higher Ground. O filme se compõe quase inteiramente de cenas filmadas nos anos 1970 e 1980, banhadas no mais puro idealismo e na persistência política de seus personagens. Um deles, o desenhista de som James Lebrecht, ajuda a narrar o filme e assina a direção juntamente com Nicole Newnham.

As filmagens no Camp Jened testemunham o espírito de um tempo. A colônia era administrada por hippies e viabilizava a seus hóspedes uma estada livre e solidária, muito diferente da que eles tinham em suas casas e na sociedade. Alguns testemunhos colhidos na atualidade dão conta de como se sentiam inteiros e independentes. Ali se viam como gente de verdade, divertiam-se, namoravam, discutiam sobre sexo, família e direito à privacidade. Tratavam-se com um humor que chega até nós, hoje, em pleno frescor. As deficiências – algumas múltiplas num só corpo – não os impedia de manter o alto astral.

Se o diretor da colônia, típica figura do “doidão”, considerava aquilo um “experimento social”, o resultado não podia ter sido melhor. Uma das cadeirantes, Judith Heumann (foto à esquerda), cuja ascendência sobre o grupo se nota desde cedo, já então liderava o movimento Disabled in Action, do qual participaram vários egressos do Camp Jened. Episódio histórico dessa luta foi a ocupação de uma secretaria ministerial em São Francisco, durante quase um mês, por dezenas de paraplégicos, tetraplégicos, cegos, etc, sob a liderança da pequena e brava Judith. Os Panteras Negras e diversos sindicatos se mobilizaram para auxiliá-los na extrema dificuldade de sobreviver às condições da ocupação.

Depois de anos de protestos públicos, eles enfim conseguiram a aprovação e implementação da lei que obriga a derrubada de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, e proíbe a segregação de pessoas com deficiência em escolas, empresas e instituições.

Os diretores James e Nicole tecem o material de arquivo numa narrativa clara e afetuosa, partindo da inocência estival da colônia em 1971 e evoluindo para o ativismo social ao longo daquela e da década seguinte. Entrevistas recentes com alguns campistas, monitores e conselheiros ajudam a configurar personagens cativantes, como o casal com deficiência que faz piadas sobre sua união, o rapaz que transforma seu descontrole motor em coreografia artística ou o próprio James Lebrecht, exímio galanteador no Camp Jened.

Crip Camp consegue a proeza de nos fazer rir e sentir à vontade diante da imagem de pessoas que se movem e se comunicam com enorme dificuldade, mas se mostram capazes de grandes conquistas. Ademais, nos apresenta um capítulo importante da história da acessibilidade e um exemplo inspirador para quem tem um grão de inconformismo.

>> Crip Camp está na Netflix e também neste link do Youtube, com a possibilidade de acionar a tradução automática das legendas para o português:

  

 

Um comentário sobre “O verão da acessibilidade

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