O Nós do Morro nas telonas

Notas sobre os filmes MUNDO NOVO e A FESTA DE LÉO

Uma história de distanciamento social

Dinheiro, laços familiares, orgulho e preconceito estão emaranhados em Mundo Novo, terceiro longa do diretor Álvaro Campos, formado na Escola de Cinema e TV de Cuba. O filme, realizado em 2022, ganha finalmente um lançamento ostentando os nomes de Walter Salles, João Moreira Salles e Maria Carlota Bruno da Videofilmes como produtores associados, em parceria com o Nós do Morro, o produtor Diogo Dahl e a produtora Vilania Ficcional. Não obstante, é uma produção simples, filmada na comunidade do Vidigal (Rio de Janeiro) em preto e branco, com atores pouco conhecidos e sem qualquer luxo. Poderia ser mais um fruto da Cavídeo.

O crédito de roteiro, premiado no Festival do Rio, é dividido entre o diretor e o elenco. Tati Villela ganhou o Troféu Redentor de melhor atriz pelo papel de Cons, uma advogada negra que, durante a pandemia de Covid-19, resolve se casar com o grafiteiro Presto (Nino Batista), mais jovem e idealista do que ela. Reunindo suas economias e heranças, eles decidem comprar um apartamento no Leblon, o bairro mais “branco” e caro da cidade. Para isso vão pedir que o irmão de Presto, Charles (Kadu Garcia, ótimo no papel) assine como fiador do financiamento bancário.

Charles resiste à ideia, e parece ter bons argumentos para isso. Ele comprou a parte de Charles na bela casa herdada do pai e não confia na estabilidade do irmão grafiteiro. O roteiro tenta, porém, insinuar a existência de uma semente de racismo e preconceito social por trás da negativa de Charles, um operador do mercado financeiro. Há, ainda, a figura da empregada negra, filha da empregada anterior da família, que carrega um ressentimento cujas razões são apenas sugeridas.

Um grande peso é colocado nos ombros do personagem de Charles. Por ser gay e manter uma relação homoafetiva estável, ele não deveria questionar as ambições de Presto e Cons, que supostamente estariam fora do previsto para seu status. Assim, o filme situa o espectador numa berlinda entre os ideais afetivos e a responsabilidade da vida prática.

Para ampliar um pouco o espectro da dramaturgia, entram em cena duas irmãs de Cons, a orgulhosa professora vivida por Leandra Miranda e a irreverente dona de casa interpretada pela impagável Polly Marinho. Elas adicionam outras perspectivas a esse jogo de espelhos entre as duas famílias.

As referências ao distanciamento social provocado pela pandemia ecoam no distanciamento provocado pela defesa dos interesses de cada um. Mundo Novo é sobre isso, basicamente. É sobre onde o afeto esbarra nas conveniências e provoca o afastamento entre as pessoas.

O filme custa um pouco a ganhar força e ritmo. Mas os personagens acabam se impondo justamente por escaparem a certos clichês do filme social urbano brasileiro. A preparação de elenco por Luciana Bezerra, estrelíssima do Nós do Morro, garante uma interação eficaz, ainda que a encenação de Álvaro Campos tenha sabor teatral.

Um salve às guerreiras do Vidigal

Anunciado como o primeiro longa-metragem do núcleo de cinema do Nós do Morro, A Festa de Léo chega às telas credenciado por uma menção honrosa e o prêmio de melhor atriz para Cíntia Rosa no Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, em Lisboa. A produção de Diogo Dahl conta com participações importantes da Globo Filmes, de Rosane Svartman e Jorge Furtado. Isso se reflete no grau de apuro técnico, mas também numa certa assepsia que rima com o espírito positivante do filme.

A comunidade do Vidigal (chamada pelos personagens de “favela”) é vista como um lugar onde prevalecem a conciliação e a solidariedade sobre o vício e o crime. O oposto de Cidade de Deus, por exemplo. Um lugar onde a fibra e a sororidade de mulheres guerreiras se impõem sobre a fraqueza e a cafajestice dos homens. Ou seja, é filme de mensagem clara.

Cíntia Rosa está excelente no papel de Rita, uma mãe-coragem que se esfalfa para viabilizar uma festa de 12 anos bacana para seu filho Léo (Arthur Ferreira). Mas na manhã do dia do aniversário, descobre que o dinheiro poupado para isso foi gasto por Dudu (Jonathan Haagensen), o marido viciado em drogas. Dudu ainda deve aos traficantes e corre risco de vida. Ao longo desse longo dia de angústia, Rita vai se desdobrar ainda mais para garantir a festa e tentar salvar o companheiro.

O roteiro escrito a quatro mãos pelxs diretorxs Luciana Bezerra e Gustavo Melo faz a crônica sucinta dessas poucas horas na comunidade, seja no prosaico de uma troca de botijão de gás, seja no essencial de uma rede de apoios que vai se formar em torno de Rita. Os laços familiares se mostrarão mais fortes na relação protetora de Léo com o pai. Entre as mulheres, o que predomina é a aliança de gênero.

Vivacidade é o que não falta a esse pequeno painel de vidas levadas no “corre” da carência e da ajuda mútua. Mas fica patente também a supressão de conflitos que conduz o filme da esfera do favela movie para o terreno do feel good movie.

Leiam a entrevista de Luciana Bezerra a Maria do Rosário Caetano.

>> Mundo Novo e A Festa de Léo estão nos cinemas.

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