TANCREDO, A TRAVESSIA
de Silvio Tendler
Isso não é uma crítica, mas uma primeira aproximação ao novo longa de Silvio Tendler. Procuro ser cauteloso ao falar de seus filmes porque o Tendler acha que, ao contrário da minha grande admiração pelos clássicos Os Anos JK e Jango, eu agora “persigo” seus trabalhos recentes. O fato é que, a meu ver, Silvio continua a fazer bons documentários, mas bons documentários dos anos 1980. Boas aulas de História, mas não muito mais que aulas de História.
Tancredo, a Travessia é mais um desses tours-de-force de recompilação histórica baseada em vasta coleta de material de arquivo, depoimentos um tanto oficiais e um texto de narração onisciente – tudo organizado segundo uma estrita cronologia linear. O didatismo, apreciado por uns e execrado por outros, cobra um preço alto quando faz todas as particularidades se diluírem em benefício de um relato genérico e excessivamente codificado. Sem contar que o texto da narração não tem a mesma qualidade de sugestão e envolvimento dos filmes sobre JK e Jango.
Durante mais da metade inicial, Tancredo Neves parece confinado ao papel de “figurante com fala” na roda viva da política nacional. Mesmo que tivesse sido assim mesmo, parece-me lícito esperar de uma biografia que vá buscar, em cada momento e contexto, onde o personagem foi protagonista. O doc informa muito pouco sobre sua ascensão na política mineira e a formação de sua personalidade conciliadora e aparentemente bonachona. Somente quando ele é guindado à condição de candidato à presidência, ocupando o centro das atenções do país, é que Tancredo de fato ocupa o centro do filme. Em lugar de procurar o grande no pequeno, Tendler espera o grande ficar grande para organizar nossa atenção em torno dele.
O desejo sempre presente de montar painéis históricos o leva a abrir generosos espaços para eventos grandiosos sem ressaltar na mesma proporção aquilo em que Tancredo contribuiu ou participou. O episódio das Diretas-Já é um exemplo de concessão à emoção política e perda de objetividade – a ponto de incluir um depoimento totalmente descontextualizado de Maitê Proença.
É claro que sempre há boas declarações e boas histórias em torno dos conchavos, das atitudes e das posições de Tancredo. A razão de ele não ter sido cassado por Castelo Branco é uma delas. A eleição no Colégio Eleitoral em 1985, o choque da doença e a morte são os episódios de narrativa mais sólida, embora nada se mencione das teorias conspiratórias que surgiram na época a respeito de um possível atentado político. Mas o que mais senti falta foi de uma interpretação menos superficial do que Tancredo representou para o país, em sua longa carreira de eminência parda e personificação de uma certa mediania bem brasileira.
Pois é, acabou sendo uma crítica. Mas é sincera e, se reitera alguns pontos de vista, nada tem de “perseguição”.
Olá!
Se Tancredo foi mesmo um “figurante com fala”(e parece ter sido) durante sua trajetória política, como “procurar o grande no pequeno”? Talvez sua importância tenha sido esta, de pequeno transformar-se num único possível candidato à presidência, pois naquele momento de transição, quem poderia ocupar aquele lugar? Ulysses? Tancredo tinha maior apoio. Fernando Henrique estava começando a amadurecer politicamente. Um conciliador, como Tancredo, era o único viável. E isso é o que fica claro e o que emociona no filme, alem de relembrarmos o fato de todas as esperanças de mudança dos brasileiros terem sido despejadas naquele que se engajou no movimento e que, desgraçadamente, o destino impediu de completar a missão. Acabou caindo nas mãos de mais um coronel latifundiário. Gostei muito do filme do Silvio.
abs, Thereza Jessouroun