Pão para os ouvidos

Foto: Ziga Koritnik

Foto: Ziga Koritnik

Escrevo estas notas ainda sob os eflúvios do concerto que vi há pouco no Espaço Tom Jobim. Ultimamente tem sido muito rara a oportunidade de ver Egberto Gismonti tocando ao vivo. E poucas coisas se comparam a Egberto Gismonti tocando ao vivo. O misto de concentração sagrada e arrebatamento lúdico com que ele ataca os instrumentos, duplicando-os ou triplicando-os no efeito final, é algo que não dá pra descrever.

A música tampouco se parece com nada do que é feito hoje no Brasil. Gismonti pertence à estirpe de Villa Lobos e só a ele se compara. O sentimento profundo de brasilidade chega a suas composições arejado pela experimentação jazzística, a modernidade multicultural, o improviso virtuosístico com as cordas ou o piano. Sempre saí dos seus concertos alimentado e inspirado. E dessa vez não foi diferente.

Egberto estava feliz no palco. A apresentação abriu o 8º Seminário Friedmann, encontro internacional promovido pelo Instituto de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica. É isso mesmo. Coisas de Maria Borba, que vem aproximando a cosmologia das artes. Foi apresentado pelo cientista Mario Novello como alguém capaz de promover um ritual de beleza. Em contrapartida, citou Pessoa e Manoel de Barros. Estava feliz também porque tocava com o filho, Alexandre Gismonti. Veja abaixo um pequeno trecho, gravado porcamente (e sem zoom) com meu celular. Vale pelo som:

Diante dos aplausos da plateia para a interpretação solo de Alexandre da sua própria composição O Tempo de um Sonho, o papai-coruja não se conteve e brincou com os cientistas presentes: “Que me desculpem os físicos, mas isso é química”. Tive vontade de contestar da minha cadeira: “Não! É religião. Deus pai e deus filho”. O concerto contou também com uma participação deslumbrante da violinista Ana Oliveira, com destaque para uma versão veloz e prodigiosa do Miudinho de Villa-Lobos para violino e piano.

O maior músico brasileiro vivo é um gênio arredio. Quase não gravou nos anos 2000, não frequenta festivais nem faz shows regulares. A veneração da plateia no Tom Jobim era uma questão de fome. Gismonti é o melhor pão para quem tem ouvidos. E este anda escasso.

5 comentários sobre “Pão para os ouvidos

  1. Quanto mais escuto a Música “de” Egberto Gismonti, mais me encontro nela. Ela vai nutrindo, assim como água, todos os meus lugares. Vai passeando dentro de mim e eu floresço… Vai ver que é o mesmo sentimento que ele tem pelo Villa-Lobos, quando diz que já toca e “sente” a Música “de” Villa como sendo dele também. Vai ver que, no fundo, e na verdade verdadeira mesmo, é o Brasil que nos amarra num mesmo laço de fita bem dado: colorido, alegre e forte!

  2. eu só acho q esse blog deveria ter umm espaço no estilo “dicas de carmattos”. É frustrante ler essas coisas no pretérito.

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