(Este artigo adianta informações sobre a trama)
Gostei bem menos do que esperava de Meia-Noite em Paris. Aquela sucessão de encontros com artistas dos anos 1920 e da Belle-Époque me soou bastante kitsch. Pareceu-me um exercício para alunos de dramaturgia: “crie uma cena com Picasso, uma com Hemingway e outra com Dali”. E então vêm os diálogos esperáveis, as posturas típicas, o clichê do clichê de cada um. Vi ali muito de um certo complexo de inferioridade do americano médio em relação à cultura europeia, que faz o cinema deslumbrar-se e namorar cidades do Velho Mundo a intervalos regulares, passando por Sinfonia de Paris (An American in Paris), Candelabro Italiano (Roman Adventure) e tantos outros.
É claro que uma decepção com Woody Allen é sempre uma decepção menor. Mesmo com seu ar camp, o filme consegue produzir boas ideias e algumas ótimas piadas. Para começar, em seu recuo no tempo, Woody Allen mostra a “cena” que deu origem ao culto americano de Paris, justamente essa visão da cidade criada pelos expatriados que lá viveram no início do século 20. Allen é um legítimo herdeiro da admiração por essa Paris romântica e transgressora, um pouco como o personagem de Owen Wilson.
Mas o que mais me interessou em Midnight in Paris não foi o deslocamento geográfico, e sim a pensata de Woody sobre o deslocamento no tempo. O filme não é simplesmente uma peça de paixão pelo passado, mas uma oblíqua declaração de amor ao presente. É na interrelação e nos ecos entre os dois períodos que melhor se manifesta a maestria de Allen como roteirista e frasista sensacional.
Os personagens representam diferentes formas de interesse pelos tempos idos. A mais caricata delas é a do intelectual pedante (Paul/Michael Sheen), que vê o passado como uma coleção de informações eruditas e poses afetadas. Outra, afetiva e nostálgica, é a de Adriana, que não se sente à vontade no seu próprio tempo e acredita que a “época de ouro” estava ainda mais atrás, no fim do século19. A forma talvez mais saudável e pragmática de amor pelo passado é a encarnada pela jovem vendedora do mercado de pulgas (Gabrielle/Léa Seydoux), que tem afeição pelos seus itens de antiquário mas parece viver em paz com sua época.
Gil/Owen Wilson tem um pouco de cada um desses sintomas. É como se os outros personagens aqui citados fossem projeções de suas inquietações e de seu leve desencaixe com a realidade ao redor. Ele é não só o personagem que vive as situações, mas também o texto-dentro-do-texto de Woody Allen, a chave para a compreensão do seu recado: por mais que sejamos apaixonados pelo passado, este terá sempre um passado supostamente melhor para mirar. E que o importante, afinal, é escolhermos o melhor presente.
Isto soa banal, eu sei, mas é dessa banalidade pseudo-profunda que se faz Meia-Noite em Paris.
Aqui só está faltando mesmo (como ao filme do megadiluidor Allen), alguma frase do “Doutor” Deepak Chopra ou qualquer outro do mesmo naipe de pseudos-“profundidades” etc.
Sei não, mas talvez fosse melhor ir — diretamente — para o sábio mundo dos Waldicks & Rossi, não?
Pelo menos seria sem escala nas diluições sub-infra-cultas do carequinha Woody…