Lola, de Brillante Mendoza, nos coloca no centro de um labirinto angustiante. A cidade é dura, caótica e violenta. O tempo da estação úmida não colabora para melhorá-la, inundando de chuva e açoitando com vento as ruas e canais de palafitas. A câmera não para quieta, como se agitada também pelo estado de emergência permanente.
O filme deveria se chamar no Brasil “Avós”, que é a tradução da expressão filipina “Lola”. Na trama, duas avós se esforçam para remediar a perda dos netos – o de uma matou o da outra e está na cadeia. Um enterro e um julgamento estão à espera de que as coisas se resolvam pela reverência devida às avós numa sociedade fortemente baseada na unidade famíliar. Como no neorrealismo italiano, que tanto inspira o estilo de Mendoza neste filme, essa história mínima se abre para mostrar o funcionamento da sociedade. E aqui encontro um motivo de admiração especial por Lola. É como o diretor usa o cenário de Manila para exprimir o modus vivendi de sua população mais pobre.
Tudo se passa entre ruelas, becos e canais aquáticos, os “esteros”, que de solução para o escoamento da produção agrícola para a cidade transformaram-se num pesadelo, fonte de doenças e enchentes. A forma de labirinto, onde o espectador nunca sabe bem onde os personagens se encontram a cada momento, remete aos canais de uma economia e uma justiça informais em que tudo se resolve à margem da lei. Tal como o dédalo geográfico, as relações interpessoais e dos indivíduos com o poder se dão por vias tortuosas, através de negociações indiretas, penhoras, tráfico de favores, burocracia infernal, superstições etc.
É bastante comovente ver como as duas avós, desconhecidas entre si e separadas por um crime, se aproximam na busca da dignidade para suas famílias. Mendoza trata isso com extrema sutileza. É como se a intrincada rede de “canais” da história desembocasse, afinal, numa pequena praça comum de humanidade.
Carlos,
Quando vi “Lola”, não pude deixar de lembrar de “Mother” e “Poesia”. A humanidade e a dor que eles transpiram são realmente comoventes.
Abraço,
Natalia
Carlos,
Seu texto está ótimo, principalmente ao se referir à “a intrincada rede de “canais” da história” e para onde ela desemboca.
Gostei também muitíssimo do filme. Mas fiquei com uma dúvida e tendo a acreditar que Brillante a deixa em aberto.
Numa Manila em que “as relações interpessoais e dos indivíduos com o poder se dão por vias tortuosas, através de negociações indiretas, penhoras, tráfico de favores, burocracia infernal, superstições etc.”, eu tenho certeza que um dos netos foi preso, acusado de ser o assassino do outro neto. Mas ( posso ter bobeado) dá para ter certeza neste contexto todo, de justiça preguiçosa, precaríssima, disposta a mostrar serviço rápido mesmo mal feito, que o neto preso, realmente seja o assassino do outro? Suspeito com certeza ele é, mas pode-se afirmar categoricamente que “o de uma matou o da outra e está na cadeia”? Tendo a acreditar que não. Se há cenas que esclareçam melhor isso e eu passei batido por elas, encantado e pasmo por tantas coisas de atroz beleza, se puder, me elucide.
Abs,
Nelson
Ps Vi o filme na sexta-feira de estreia no Espaço Sesc de Cinema, numa janela digital estranha. Tanto embaixo, em cima, com nas laterais ( neste caso seria normal, mas embaixo e em cima?) haviam faixas pretas que apequenaram os planos, o que prejudica bastante a viagem que podemos fazer a Manila através do filme. Foi esta cópia que você viu? O que achou? Os trailers todos se sucediam da mesma forma. Eu pressenti que com o filme seria a mesma coisa. Fui falar com o porteiro.Este descobriu o gerente e este mandou recado que só os trailers seriam reduzidos.O filme seria projetado normalmente. Quando o filme começou, como os trailers, aí não quis reclamar mais nada, mesmo sabendo que fui enganado. “Relaxei e gozei”, pois além de não querer perder nada do filme, se tivesse saído para me queixar,voltaria alterado e até recuperar a calma e o bom humor para ver “Lola”, perderia mais cenas….
Mas o filme é tão extraordinário que nem isto nos impede de sentir a sua grandeza. Assim, leitores deste blog, não percam “Lola” por nada, mesmo com esta janela limitadora. Mas já tinha visto o filme em 2010 no CCBB-RJ num Festival de Cinema Filipino. O impacto de ver “Lola” num quadro adequado foi maior. Assisti também “Serbis” e “Kinatay”( “Carnificina”), também extraordináros, outras formas de viagem à sociedade de Manila. Mas “Lola” emociona mais que todos.
De fato, nada “comprova” que o acusado seja mesmo o assassino. Isso é apenas tomado como certo pelo espectador que assiste ao empenho da avó em simplesmente tirá-lo da cadeia em vez de lutar pela sua inocência. No coreano Mother, havia a crença da mãe na inocência do filho, mas esse dado aqui não aparece.
Eu vi o filme em DVD, logo não sei o que se passa com ele nos cinemas do Rio.
Abraço!