As Hiper Mulheres fez barba, cabelo e bigode no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba. Ganhou os prêmios do júri oficial, da crítica e do público na mostra competitiva Olhares Brasil de Longa-metragem. A cerimônia de premiação se deu ontem (segunda) à noite no Teatro Guairinha.
O filme é fruto maduro do longo processo vivido no âmbito do projeto Vídeo nas Aldeias, que comemorou 25 anos em 2011. A criação compartilhada pelo antropólogo Carlos Fausto, o cineasta branco Leonardo Sette e o diretor índio Takumã Kuikuro tem sido recebido com muita simpatia no circuito de festivais. A caminho de Curitiba, Takumã teve sua mochila roubada e perdeu, além do HD com seu novo trabalho, o passaporte e os dólares com que viajaria esta semana para mais um festival no exterior. Os múltiplos prêmios chegaram, portanto, em boa hora.
As Hiper Mulheres troca o olhar etnográfico “de fora” por uma expressão mais autóctone para contar uma história de ficção que soa como documentário. Índias de várias tribos se reunem numa aldeia Kuikuro do Xingu para festejar o ritual feminino do Jamurikumalu. É ocasião para a passagem da tradição dos cantos para as meninas e também para as habituais brincadeiras sacanas que caracterizam a versão indígena da “guerra” sexual. O filme tem lançamento comercial previsto para o final deste ano.
O magistral Sangue do meu Sangue, do português João Canijo, justificou todo o entusiasmo de quem o assistiu (leia meu comentário) e levou o prêmio de melhor filme da Competitiva Janela Internacional. Veja no final a lista completa dos premiados.
O júri da crítica, composto por membros da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e convidados como eu, foi integrado também por Cid Nader (SP), Edu Fernandes (SP), Annalice del Vecchio (PR) e Eduardo Baggio (PR). Nossos prêmios foram decididos por votação depois de muito debate entre os jurados. Além do longa As Hiper Mulheres, foi escolhido o curta Na Sua Companhia, que faturou também o Prêmio Especial do júri oficial. Este é um passo além na investigação da cena gay pelo diretor Marcelo Caetano (Bailão). Marcelo tem uma sensibilidade especial na captação de climas e tons de um universo afetivo recluso, íntimo, explícito e ao mesmo tempo muito delicado. Aqui, um professor branco e um segurança negro flertam através de filmagens recíprocas com uma câmera de vídeo. Entre o convívio com amigos e a busca de uma normalidade do cotidiano, os dois presenciam um momento antológico: a performance de um clone de Maria Bethania, que sintetiza a teatralidade contida nas relações, por mais verdadeiras que possam ser.
Conferindo a lista de premiados, vejo a maior injustiça na ausência de algum reconhecimento para o imperfeito, mas corajoso e estimulante Tudo que Deus Criou, de André da Costa Pinto (também neste post). Com uma carreira ainda por começar, mereceria ter saído de Curitiba com algum incentivo.
Os premiados
Competitiva Janela Internacional de Longa Metragem
Melhor Filme – Prêmio Olhar de R$ 10.000,00:
Sangue Do Meu Sangue (Blood Of My Blood), de João Canijo.
Portugal.
Prêmio Especial do Júri:
Snackbar (Snackbar), de Meral Uslu.
Holanda.
Prêmio de Contribuição Artística:
Country Music (Musica Campesina), de Alberto Fuguet.
Chile/EUA.
Pelo trabalho de direção.
Prêmio do Público:
Las Acacias (Las Acacias), de Pablo Giorgelli.
Argentina/Espanha.
Competitiva Olhares Brasil de Longa Metragem
Melhor Filme – Prêmio Olhar de R$ 7.000,00:
As Hiper Mulheres (The Hyperwomen), de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro.
Prêmio Especial do Júri:
Girimunho (Swirl), de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr.
Prêmio de Contribuição Artística:
Estradeiros (Wanderers), de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira.
Pela força da imagem como representação do universo dos personagens.
Prêmio da Crítica – Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine):
As Hiper Mulheres (The Hyperwomen), de Carlos Fausto, Leonardo Sette e
Takumã Kuikuro.
Pela maturidade no tratamento cinematográfica da cultura indígena em processo compartilhado de criação
Prêmio do Público:
As Hiper Mulheres (The Hyperwomen), de Carlos Fausto, Leonardo Sette e
Takumã Kuikuro.
Mostra Novos Olhares
Para 1º.s ou 2º.s filmes de cineastas brasileiros e internacionais.
Melhor Filme:
Para Além Das Montanhas (Yama No Anata / Beyond The Mountains), de Aya Koretzky.
Portugal.
Competitiva Janela Internacional de Curta Metragem
Melhor Filme – Prêmio Olhar de R$ 4.000,00:
Cross-country (Cross), de Maryna Vroda.
França.
Prêmio Especial do Júri:
Could See A Puma (Pude Ver Un Puma), de Eduardo Williams.
Argentina.
Prêmio de Contribuição Artística:
Cross-country (Cross), de Maryna Vroda.
França.
Pelo trabalho de câmera e fotografia.
Prêmio do Público:
Beast (Csicska), de Attila Till.
Hungria.
Competitiva Olhares Brasil de Curta Metragem
Melhor Filme – Prêmio Olhar de R$ 2.500,00:
Assunto de Família (Family Affair), de Caru Alvez de Souza.
Prêmio Especial do Júri:
Na Sua Companhia (By Your Side), de Marcelo Caetano.
Prêmio de Contribuição Artística:
Dona Sônia Pediu Uma Arma Para Seu Vizinho Alcides (Dona Sonia Borrowed A Gun From Her Neighbor Alcides), de Gabriel Martins.
Pelo rigor estético e economia de meios na direção.
Menção Honrosa:
Vereda (Pathway), de Diego Florentino.
Prêmio da Crítica – Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine):
Na Sua Companhia (By Your Side), de Marcelo Caetano.
Por representar um cinema múltiplo tanto no caráter humano como no estético, explorando com sensibilidade expressões amorosas.
Prêmio do Púbico:
Praça Walt Disney (Walt Disney Square), de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira.
Prêmio Aquisição RPC – RS 10.000,00 para curta paraense:
O Descarte (The Disposal), de Carlon Hardt e Lucas Fernandes.
Assisti ao filme Tudo que Deus Criou e acho que despertou algo interessante aqui em CWB, uma parte da crítica elogiou o filme e outra detonou, isso gerou um forte burburinho entre as pessoas e acabou despertando a curiosidade em querer ver o filme. Muitos amigos não puderam comparecer a sessão e depois de verem muitas coisas na imprensa, disseram que ficaram curiosos para assistir e tirar suas próprias conclusões. Quando será que entrar no circuito? Achei interessante isso de ver várias matérias a favor e contra um filme, acho que esse foi o diferencial desse para os outros participantes do festival, que quase não foram falados. Creio que as contradições de opinião, geraram algo muito bom para esse trabalho que pelo que vi foi produzido por um piá como trabalho da faculdade.
Olá, Fernanda, fico grato pelo ótimo comentário. Há mesmo filmes que dividem as opiniões quando são provocantes e ousados como este. Isso é sempre muito saudável e atesta que o cinema está vivo. O filme de fato tem grande participação de alunos da UEPB, mas seu diretor não é exatamente um piá, e sim um professor com experiência em curtas.