Anecy: atualidades

Se não tivesse morrido tão cedo, no auge do talento, Anecy Rocha estaria completando hoje 70 anos. Seria, provavelmente, uma jovial senhora de comportamento ainda irreverente e voz levemente rouca, tingida por um sotaque baiano que nunca haveria de perder.

Posso imaginá-la em cenários de criação os mais diversificados. Poderia ser vista ainda transbordando volúpia numa peça de Zé Celso. Ou contracenando com jovens num filme da Laís Bodanzky. Não me assustaria encontrá-la em alguma peripécia no Youtube. Ou ainda soltando os cachorros num filme do Cláudio Assis, inspirando mais um vôo do cinema de poesia do Joel Pizzini, dando uma força para o próximo longa do Edgar Navarro.

A imagem de Anecy – pelo menos a imagem que deixou no fim de sua curta carreira – permite que continuemos associando sua figura ao que resta de vontade transgressora no panorama relativamente bem comportado da arte brasileira atual. Sim, porque a Anecy meiga e tímida que aveluda Menino de Engenho e A Grande Cidade, seus primeiros trabalhos no cinema, aos poucos foi passando a conviver com a Anecy sensual, liberada e visceral que explodiria em A Lira do Delírio. Gata e tigresa num mesmo corpo, rondando as margens do estabelecido.

O modo de atuação de Anecy, especialmente nos seus últimos filmes, incorporava a improvisação e o aporte pessoal da atriz às personagens. O cinema brasileiro de hoje talvez tivesse um espaço para ela. E uma paixão por ela. O seu caráter intuitivo, a capacidade de assimilar o papel e ao mesmo tempo impor-se a ele, a habilitava para projetos de risco, onde a interpretação não dependesse apenas da técnica, mas de uma vitalidade de origem e de uma vocação para a entrega.

Gosto de pensá-la, por exemplo, como uma professora de dança que se apaixona por uma aluna em trama conduzida por Beto Brant… Não! Pensando melhor: uma atriz obcecada por espelhos no próximo longa de Kléber Mendonça Filho… Nada disso. Melhor ainda: uma retomada, 30 anos depois, dos personagens de A Lira do Delírio, em que Ness Elliot, a anti-Medeia, seria salva de uma grave ameaça pela intervenção de seu filho, hoje homem feito.

Até que ponto a imaginação pode suprir uma ausência?    

3 comentários sobre “Anecy: atualidades

  1. Que Deus a tenha! Com certeza faz arte lá no céu.Lira do Delirio veio inteiro na minha mente,Nara Leão,Tonico Pereira começando,acompanhei o Walter Lima Jr no lançamento,saudade de um tempo que iamos as redações as rádios como se o filme ainda estivesse sendo montado.Saudade sem sofrimento,pelo pleno prazer de ter vivenciado
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