A partir de agora, meus posts de “Pílulas” aparecerão numerados. Para quem ainda não os conhece, são comentários rápidos postados nas redes sociais por um crítico cada vez mais preguiçoso. Aqui os reúno para chegar a quem não está no Facebook nem no Twitter e também para facilitar a recuperação de dados.
Concorrente dinamarquês ao Oscar de filme estrangeiro, O AMANTE DA RAINHA é “drama de vestidão” que usa linguagem tradicional para falar de mudanças. Uma jovem rainha insatisfeita e o médico de confiança do rei maluquete manipulam este último para introduzir o Iluminismo na Dinamarca, com terríveis consequências. Lars Von Trier é o produtor executivo de um filme muito distante do seu estilo, mas tem ali uma complexidade que ultrapassa o maniqueísmo característico dessas tramas históricas. O herói transformador é também um oportunista e um absolutista em seus termos. A conclusão é que a monarquia sem constituição não depende do rei para ser despótica e cruel. O filme não traz surpresas, mas é elegantemente sóbrio, bonito e tem momentos sugestivos de humor.
OS MISERÁVEIS é over the top até dizer chega. Mas como não ser para dar conta daquela história de amor, perdão, redenção, sacrifício e revolução? Como não ser para fazer jus ao score arrebatador do musical? A meu ver, Tom Hooper fez a coisa certa: jogou tudo lá em cima. Os personagens envelhecem enquanto cantam cada música e continuam cantando depois de mortos; a câmera sobe aos píncaros e corcoveia entre as barricadas; a direção de arte faz a Paris do Ottocento gritar cinzenta na tela. Um musical que se assume inteiramente como herdeiro da ópera em sua grandiloquência justificada, em seu pathos exacerbado. Ou você entra no código e deixa-se ir ou não entra e fica na soleira da porta reclamando. Eu fui.
Lutei muito contra o sono durante os intermináveis 144 minutos de O MESTRE. Antes mesmo que o personagem de Joaquin Phoenix chegasse a me interessar, eu já estava enjoado dele. Para mim, o problema do filme, além do seu ritmo arrastadíssimo, é ser cerebral demais. Falar de um culto e de uma devoção apenas pelo idioma do intelecto, sem sugerir em nenhum momento as emoções e a experiência por que passam as pessoas, é apostar na esterilidade. Para mim que sou agnóstico, todas aquelas palavras e atitudes dos personagens soaram vazias, quando não frontalmente ridículas. Conversando depois da sessão com a Rosane e a amiga Olga Pereira Costa, vi que elas perceberam uma relação gay nas vidas passadas do Mestre e seu “soldado”. Poderia até ficar um pouco menos desinteressante, não fosse tão árido e aborrecido. E a elogiada trilha sonora me pareceu de um experimentalismo monótono e indistinto. Opinião diferenciada e mais abalizada teve a roteirista Olga Pereira Costa em texto aqui no blog.
O LADO BOM DA VIDA é a cota de banalidade absoluta desse Oscar. Por que indicar nove títulos ao prêmio de melhor filme se é para incluir objetos rotineiros como esse? O roteiro, saído da prancheta dos mediadores bestsellers-Hollywood, junta auto-ajuda, descompasso romântico, xaropada familiar, competições esportivas e aqueles abomináveis subadultos que não param de adolescer. Tudo regado a mensagens de “be positive” em tal quantidade que chega a enjoar o estômago. Entendo que a indústria precisa se alimentar de déja vu, mas nesse caso não há sequer a desculpa de alguma falsa ousadia ou suposta novidade. Só vi até o fim por obrigação do ofício.
Fui ver PAÍS DO DESEJO com a intenção de tentar defendê-lo. Mas, para isso, só mesmo Santa Rita dos Impossíveis. O filme é uma coleção de equívocos que começa no título e vai até a duração da cena final. Um argumento defasado, um roteiro desconexo, personagens estereotipados, diálogos duros de ouvir. O que houve com Paulo Caldas depois dos impactantes O Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe? Ele parece ter regredido um século. Estou torcendo para passar essa fase ruim de um bom cineasta.
Dos 9 longas que concorrem ao Oscar de melhor filme, já vi 7. E sem dúvida nenhuma INDOMÁVEL SONHADORA é o mais fraco de todos. Simplesmente não há uma história a ser contada, mas apenas ruminações de uma menina dos pântanos da Louisiana a respeito do mundo que ela observa. O novato Benh Zeitlin quer ser Terrence Malick, e para isso conduz o filme com grandiloquência (tipo A Árvore da Vida), falas “fabulares” ditas em off pela menina (tipo Cinzas no Paraíso) e muita câmera na mão para sugerir urgência. A relação entre pai e filha é das mais aborrecidas do cinema recente. Não se vê progressão dramática, as ações parecem abruptas, a criação de atmosferas é sempre forçada e nada dialoga com nada. E ainda tem os bisões enfurecidos que funcionam como metáfora do fim dos tempos (para aquela comunidade) e diapasão de conhecimento das “feras” do Sul (humanas, inclusive) pela intrépida Hushpuppy. Sim, é esse o nome da garota. A interpretação da atriz-mirim Quvenzhané Wallis é amplamente superestimada. Basta uma sequência da adolescente Rachel Mwanza em A Feiticeira da Guerra para deixar Hushpuppy no chinelo.
ALÉM DAS MONTANHAS é bem inferior a 4 MESES, 3 SEMANAS e 2 DIAS, o filme anterior de Christian Mungiu. E é inferior também ao que seu argumento poderia render se fosse dada um atenção mínima aos pensamentos das duas personagens principais. Mungiu, porém, trata o amor clandestino delas como um segredo entre elas e nós. O drama toma proporções extremas e o silêncio se mantém de maneira bastante inverossímil. No monastério, a dissimulação dos demais aos sinais evidentes dessa paixão acaba virando uma incongruência difícil de engolir. Assim como o funcionamento de celulares num local sem energia elétrica, como bem reparou meu amigo Carlos Fernando M. Silva. É interessante a ausência completa do raciocínio psicanalítico mais primário naquela célula dominada pelo obscurantismo religioso sob a capa da bondade e da decência. Mas mesmo isso vai ficando repetitivo e esticado demais. Além de certos exageros na progressão da histeria amorosa, a ponto de sugerir possessão demoníaca, o filme também me pareceu um tanto “velho” na temática e manco no desfecho abrupto para um desdobramento policial que já ia se tornando pura diluição. Parece haver uma intenção de confrontar a insensibilidade da sociedade externa (médicos, policiais etc) com os equívocos internos ao mosteiro, de maneira a mostrar que no fundo tudo se equivale – e transformar um caso de “amour fou” numa crítica social. Mas acho que não colou. Cannes, porém, premiou o roteiro. Vai saber…