O HOMEM QUE É ALTO É FELIZ?
Na abertura do filme, Michel Gondry afirma que o documentário animado dá ao público mais liberdade para decidir se o que está vendo é verdadeiro ou não. Isso é verdade, mas não se aplica a O Homem que é Alto é Feliz?. Afinal, quem põe em dúvida as teorias e afirmações de Noam Chomsky?
O filme é resultado de algumas conversas de Gondry com Chomsky em torno de uma mesa vazia. Em outra mesa, no seu estúdio, Gondry atrasava a produção de A Espuma dos Dias para realizar os desenhos com que iria ilustrar e comentar as entrevistas. A cada frase de um e de outro, quase a cada palavra, corresponde uma intervenção animada. Isso pode ser às vezes fator de dispersão, mas quase sempre funciona como um distanciamento bem-humorado para a abordagem de temas densos como aquisição de linguagem, mecanismos de inspiração e de reconhecimento, teoria das continuidades, papel das religiões e outros campos em que Chomsky tem muito a dizer.
O estilo “infantil” dos desenhos combina com a postura de discípulo ignorante assumida por Gondry diante do mestre. Ele se detém sobre os próprios erros, empaca no inglês claudicante, faz interrupções divertidas que tornam a conversa mais palatável. Existe toda uma tradição de ilustrar documentários com vinhetas de animação. O que Gondry faz aqui é levar isso a um certo paroxismo (98% das imagens são animadas) e usar o artifício para fantasiar o discurso intelectual com uma roupa de menino levado da breca.
HOMEM COMUM
Há quase 20 anos Carlos Nader iniciou um projeto de filmar conversas com caminhoneiros. Acabou se fixando em um deles, o paranaense Nilson de Paula, com quem fez o curta O Fim da Viagem em 1996. Desde então, em reencontros regulares, Nader filmava momentos da família de Nilson, incluindo o enterro da esposa, uma nova união e o crescimento de sua filha. Finalmente, decidiu editar essa convivência num longa-metragem que fosse também uma reflexão sobre o sentido da vida e o poder de ressurreição do cinema.
Embora tenha feito autocrítica sobre a intenção de introduzir temas metafísicos nas conversas com a família do caminhoneiro, Nader manteve o propósito em Homem Comum. As cenas da gente simples do interior do Paraná se ligam, por continuidades ou associações de ideias, com trechos do clássico luterano A Palavra (Ordet), de Carl Dreyer, e ainda com uma versão alternativa deste filme, rodada por Nader na Inglaterra em suntuoso preto e branco e em inglês (foto à esquerda).
A proposta é ambiciosa e sofisticada. Exige do espectador uma abertura generosa para a metáfora e as conexões de sentido, assim como o “louco” de Ordet conclama a família a crer na sua incorporação de Jesus Cristo. Por vezes o diretor parece forçar um pouco suas aproximações entre o homem comum e os eventos extraordinários da vida e da morte. Há de fato uma imposição bastante forte do autor em suas intervenções de narrador ou mesmo dentro da cena. Carlos Nader costuma ser mesmo bastante pessoal em seus filmes, que nunca se limitam a copiar a realidade. Homem Comum se apresenta como uma reflexão sobre certas propriedades do cinema: voltar no tempo, fazer ressurgir os mortos, juntar o prosaico e o sublime. Mesmo que para isso seja preciso, como aqui, conduzir o pensamento do espectador com o leme duro da Palavra.
A ARTE DE OBSERVAR A VIDA
Marina Goldovskaya lança mão de seu jeito “doméstico” de fazer documentários para entrevistar outros mestres do ofício. A maioria deles fez parte do movimento do cinema direto americano, que pregava a observação pura e simples da realidade a fim de extrair dela uma linha dramática, em vez de pautá-la através de roteiro ou pesquisa.
Assim, Richard Leacock relembra seu trabalho com Robert Flaherty. Lionel Rogosin conta como fez o pioneiro On the Bowery (1956). Jonas Mekas nos fraqueia a entrada em sua “sala secreta” e nos Anthology Film Archives enquanto fala de seu método intuitivo (“Eu nunca penso”). Robert Drew comenta a realização do clássico Primárias e a criação da primeira câmera leve para botar no ombro. Albert Maysles recorda-se de Grey Gardens e afirma que nem Freud tinha dado bola para a relação mãe-filha. D. A. Pennebaker explana sobre seus primeiros filmes e, junto a sua mulher, Chris Hegedus, elogia o prazer de lidar com cinema e música. Temos ainda as participações dos canadenses Michael Rubbo e Allan King.
Parte do material foi filmado em encontros caseiros, parte em palestras para estudantes. Goldovskaya troca a indignação de seus libelos relativos à política russa por um tom de celebração em família. Mesmo que a intimidade com Leacock e a descontração de Mekas não se repitam com os demais, prevalece uma atmosfera de camaradagem e identificação recíproca. Para os amantes do documentário, A Arte de Observar a Vida é um passeio afetivo cinco estrelas.
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Carlinhos,pela dica do Princípio e o Fim, no sábado…revi. Puro, vc disse. Estranhei de início o adjetivo. Depois não. Não há água pura, mesmo se não límpida ou transparente? Eu estive a ver numa TV de quarto de hotel. Início de noite , que com o doc, estendia o mar de luz que me enchera a…”alma”…por que não? Desde cedo. Com passeio pelo parque azul e solar, cedo o suficiente para ouvir muitos pássaros e poucas pessoas. Seguido de ida ao Gasômetro onde tive a chance de rever Gênesis, do Sebastião Salgado, novamente com a emoção que só o gozo estético dá.
O que aconteceu outra vez e mais tarde com Iberê Camargo – e seu belo palácio de frente para o Guaíra . Com este último, o rio, mais beleza e luz no por- do -sol-presente, Gracias a la vida! Apesar de.
E com sorte. Afinal não havíamos conseguido atravessar o mar vermelho do Inter e Beira Rio?
Emoção tb ao assistir o filme na expo exibido sobre Iberê (constranjo-me ao dizer “rever”; afinal ,mesmo que certa que já vi, vejo como se fosse a primeira vez. ..acontece sempre)
Mas vê se não é para se emocionar: doc EMBRAFILME, direção e fotografia do Mário Carneiro ,montagem do Ricardo Miranda, e um Iberê vivaz, o pincel mágico a aprontar, encantar. O texto e narração do Ferreira Goulart (que Zeus o deixe ficar entre nós por mais tempo)….De volta ao hotel, a partida – mais esta- do Zé wilker,um choque. E a dica generosa do puro Eduardo. Ele e os outros vivem, obrigada, Carlinhos.
Beijo,valeria
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