Há mais de um mês, a Folha de S. Paulo publicou um artigo de Josias Teófilo, diretor do filme O Jardim das Aflições, intitulado “Esquerda faz retórica política no cinema”. Já no dia seguinte escrevi e enviei ao jornal um artigo em resposta. Só no último domingo a Folha publicou (apenas na versão online), assim mesmo depois de uma intervenção minha junto à ombudsman.
O link do artigo é esse. Abaixo, reproduzo o texto publicado:
CINEASTA SE DEFENDEU COM CRÍTICA ANACRÔNICA
O artigo de Josias Teófilo, publicado aqui na Folha na última sexta-feira, passa uma impressão ambivalente sobre o seu autor: ora ele se diz vítima de conspiração de uma entidade chamada de “establishment cinematográfico nacional ligado à esquerda socialista”, perseguido e evitado por seus pares, boicotado por “praticamente todos os festivais brasileiros”; ora mostra-se eufórico com as plateias lotadas para ver seu filme sobre Olavo de Carvalho.
Faltou mencionar que isso é o resultado de uma intensa mobilização, inclusive financeira, dos admiradores do escritor ultraconservador, o que é seu pleno direito.
Mas nada disso importa tanto quanto outras perorações do cineasta a respeito do cinema brasileiro e dos que se incomodaram com a previsível pajelança que o Cine-PE preparava para o seu filme.
Josias afirma que no cinema brasileiro “quase tudo está mofado e podre”. Isto poucos meses depois de termos feito uma brilhante participação no Festival de Berlim, levado um prêmio na Semana da Crítica de Cannes e colocado um filme, Aquarius, na lista dos melhores da temporada internacional de 2016 pela imprensa de diversos países.
Há muito o cinema brasileiro não passava por fase tão favorável como resultado de políticas acertadas dos últimos anos, que agora sofrem a ameaça generalizada à cultura, vigente no atual governo.
Felizmente, uma parte considerável da classe cinematográfica ainda reza pela cartilha do humanismo e das ideias progressistas, o que Josias e seus ídolos preferem enxergar como “limitação ideológica”. O meio cultural, aliás, tem sido um dos mais ativos focos de resistência à barbárie direitista que põe em risco o futuro imediato do país.
Importante é também rebater vigorosamente a ideia, comprada por setores do cinema e da mídia, de que a atitude dos sete cineastas de retirarem seus filmes do Cine-PE configuraria uma “censura” ao documentário de Josias. Em nenhum momento foi solicitada a exclusão do seu filme, mas apenas resguardado o direito de participar ou não de um evento que se anunciava pré-formatado politicamente. Como, aliás, a premiação veio confirmar.
Fui um dos idealizadores de um manifesto em apoio aos sete cineastas, assinado por 63 críticos de cinema de todo o Brasil, entre eles Jean-Claude Bernardet, Pedro Butcher, José Geraldo Couto, Luiz Zanin, Maria do Rosário Caetano e João Luiz Vieira. Não havia ali qualquer juízo a respeito do filme de Josias, mas somente a defesa de um ato político legítimo.
Cabe, ainda, desmentir que o festival recifense tenha sido adiado exclusivamente por essa razão, quando sabemos que o evento, em franca decadência, já havia sido postergado e, até uma semana antes, não tinha sequer formalizado o convite aos participantes. A cobertura crítica da recente edição comprova sua quase total defasagem com o momento cinematográfico brasileiro.
Josias Teófilo, como qualquer cineasta, tem a prerrogativa de escolher seus temas e personagens com liberdade. No entanto, como não existem escolhas inocentes, ele precisa lidar com os encargos dessa liberdade. Quanto aos “esquemas da retórica socialista” a que ele se refere e se opõe, só a perda do sentido de realidade pode explicar conceituação tão anacrônica.”
Bravo Carlinhos , justo, elegante , cirúrgico, ótima resposta !!
Pablo! Há quanto tempo! Que bom vê-lo por aqui.