No material de imprensa de OS FANTASMAS DE ISMAEL, em Cannes, Arnaud Desplechin afirmava: “Acho que inventei uma pilha de pratos de ficção que vou arrebentar contra a tela. Quando estiverem todos quebrados, o filme terá terminado”. Pois é mesmo essa a sensação que se tem diante da sua exótica mélange de gêneros e de propostas narrativas.
Na trama, o processo de criação de um cineasta para seu novo filme e o amadurecimento de um novo amor são interrompidos pelo retorno inesperado da mulher desaparecida 20 anos atrás. Com isso, Desplechin despacha uma montanha russa que circula entre o filme-dentro-do-filme – um mirabolante thriller de espionagem –, um triângulo amoroso convencionalmente dramático, um suspense meio mórbido em torno da volta da mulher dada como morta (com ecos de Rebecca, de Hitchcock) e uma comédia maluca que acaba engolindo todas as demais vertentes.
Não deixa de ser ocasionalmente divertido e quase sempre excitante ver atores como Mathieu Amalric, Marion Cotillard, Charlotte Gainsbourg, Louis Garrel e Hippolyte Girardot metidos até a cabeça num jogo farsesco que explora os limites da tipologia habitual de cada um deles no cinema. Amalric chega à beirada do overacting, enquanto Marion seduz a cada close, em especial numa deslumbrante cena de nudez frontal ou ao dançar caricaturalmente It ain’t me Baby, de Bob Dylan. A miríade de citações a quadros, livros e músicas dão o toque “culto” a um filme que, na verdade, não quer ser mais que um divertimento.
E diverte até certo ponto. O problema é que todo o humor e a criatividade de Desplechin estão a serviço de um imenso vácuo de dramaturgia. A partir de certo ponto, a estranha intensidade do filme se perde numa avalanche de maneirismos e exageros cênicos. A crise de Ismael se torna um mero dispositivo de excentricidades, deixando as pontas da história penduradas no ar à espera de uma narração-muleta final. A invenção, quando descontrolada, vira simples esquisitice.