O jornalista, escritor e poeta Paulo Lima resenha para nós o documentário A VIDA EXTRA-ORDINÁRIA DE TARSO DE CASTRO
O nome do jornalista Tarso de Castro costuma ser associado a três fatos principais: ele foi um dos fundadores do jornal O Pasquim, criou o suplemento Folhetim, da Folha de S. Paulo, e namorou a estrela de Hollywood Candice Bergen. O documentário A VIDA EXTRA-ORDINÁRIA DE TARSO DE CASTRO, de Leo Garcia e Zeca Brito, esmiuça sua vida breve e vulcânica, encerrada em 1991, aos 49 anos.
Tarso levou o desbunde típico da época a outro patamar, e epítetos não lhe faltam no filme: “Força da natureza”, “divisor de águas”, “sujeito irreverente”, “socialista”, “um buscapé”, todos ditos por amigos e pessoas que usufruíram de seu convívio, como Jaguar, Luis Carlos Maciel, Caetano Veloso e ex-esposas, além do filho, João Vicente de Castro, todos revelando traços de sua personalidade complexa.
A atividade do jornalista que libertou o jornalismo de suas pompas e circunstâncias era indissociável de sua vida pessoal. Para ele, a redação era uma extensão natural do bar, daí o porquê do filme capturar boa parte dos depoimentos em bares e botequins, no encontro de pequenos grupos de amigos, emulando os ambientes onde as notícias de fato ganhavam vida. Histórias de suas performances de amante conspícuo e de bom copo permeiam com naturalidade praticamente cada fala do filme. A exposição do caráter duvidoso do perfilado, suas atitudes consideradas politicamente incorretas, convivem com o reconhecimento de seu talento concentrado em “75 kg de músculos e fúria” – espécie de slogan que criou para si mesmo – e também de sua bondade. “Ele era o homem do mundo, de todas”, resume Laila Alves de Andrade, a segunda esposa de Tarso, daí o longa-metragem estar pontuado por cenas do filme Todas as mulheres do mundo, de Domingos Oliveira.
Tarso foi um gauche precoce. Aos 15 anos já atuava no jornal O Nacional, de sua natal Passo Fundo, propriedade de seu pai Múcio de Castro, e costumava suplantar até mesmo os veteranos mais tarimbados no ofício. E lá, na interiorana cidade gaúcha, já aprontava das suas, sempre protegido pela autoridade do pai. “É o guri do Múcio” era a senha para deixar Tarso à mercê de seus próprios hormônios.
Comparado ao ambiente do jornalismo atual, dominado pela irremediável caretice e vilanias impronunciáveis, Tarso soa como um personagem improvável, uma ficção. Não é à toa que, no filme, existe um consenso de que, por suas atitudes heterodoxas, foi criado um complô para apagar sua memória da história do Pasquim. Movido por uma santíssima trindade pessoal – mulheres, bebida e jornalismo -, Tarso de Castro chutou o balde do bom-mocismo engravatado. O filme deveria passar em faculdades. Hoje, um pouco de Tarso na veia do conformismo institucionalizado faria muito bem a todos.
Paulo Lima
Nota adicional de Carlos Alberto Mattos:
Rogério Duarte, Marcos Medeiros e Torquato Neto são personagens da contracultura que recentemente vieram à tona através de documentários muito afetuosos e esforçados por fazer jus à importância e à personalidade de cada um. A VIDA EXTRA-ORDINÁRIA DE TARSO DE CASTRO vem juntar-se a esse filão com o perfil do jornalista, criador de jornais, contestador flamejante e bon vivant devotado.
Meu amigo Paulo Lima fez uma bela resenha do filme (acima). Só tenho a acrescentar um pequeno comentário sobre um risco desse tipo de doc, de que o filme sobre Tarso se aproxima perigosamente. Eu chamaria de “atração pelo folclore”. O temperamento carioca que se apossou do gaúcho, e que predomina entre os amigos que lhe sobreviveram, banha o filme de uma descontração muito simpática, mas acaba relegando a segundo plano a essência do trabalho jornalístico, seu peso político e mesmo o seu estilo de escrita.
Não há espaço para tédio entre tanta gente bacana, tanta história de mulheres, bebidas e humor. O filme diverte muito com seus depoimentos ao telefone, seus brindes nos bares, suas fofocas de alto nível e as performances nada convencionais de Tarso em programas de TV. Ainda assim, saí querendo saber um pouco mais sobre o que ele escrevia, como escrevia, enfim, como transportava aquela vida desregrada e generosa para o papel de jornal. Isso não cabe num filme, dirão alguns, mas bem que poderia estar sugerido de modo um pouco mais visível.
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Vi o doc e compartilho sua frustração, Carlos Alberto Mattos. Há muito oba-oba, como se fazer jornalismo ali fosse uma festa e só festa, tendo por agruras apenas substituir textos censurados. O que, pelo jeito, nem devia ser muito difícil assim, porque eram só artigos opinativos…
Grato pelo feedback, Cezar.