
Dilma reencontra ex-companheiras da Torre das Donzelas na posse do seu segundo mandato (esta cena não é do filme)
Seguindo o exemplo do que acontece no Brasil e em muitos países, o Festival de Brasília incrementou este ano a participação feminina em todos os seus segmentos. Melhor dizendo, a proporção de homens cis nunca foi tão baixa.
O release desta 51ª edição destaca que, das 724 obras inscritas, pela primeira vez, as diretoras do gênero feminino e/ou identificadas por gêneros não binários figuram em número mais expressivo do que os diretores de gênero masculino. As diretoras mulheres representam 52,4%, enquanto 9,5% inscreveram-se sob a categoria não binária (outros). Os identificados como homens somam 38,1%.
Até na equipe de produção do festival, as mulheres são imensa maioria: 75% do quadro de trabalho.
O novo Prêmio Leila Diniz, criado este ano, vai agraciar figuras femininas que marcaram o cinema brasileiro. As primeiras ganhadoras serão a atriz Íttala Nandi e a montadora Cristina Amaral. Nada impede que no futuro mulheres venham a ganhar a similar medalha Paulo Emílio Salles Gomes, que este ano vai para o crítico e professor de cinema Ismail Xavier.
Mila Petrillo, uma das mais célebres fotógrafas radicadas em Brasília, vai inaugurar a exposição Momento em Movimento, de Mila Petrillo, com registros de grandes personagens do cinema nacional que passaram pelo Festival de Brasília desde a década de 1980. Na ocasião, também será lançado o site que disponibiliza parte do acervo da fotógrafa ao grande público.
Primavera das diretoras
Uma das grandes celebrações do protagonismo feminino na programação do festival será certamente o documentário Torre das Donzelas, de Susanna Lira. Emocionante, inspirador e em alguns momentos até divertido, o filme coloca cerca de 30 ex-presas políticas numa reconstituição estilizada da cela coletiva que ocuparam no Presídio Tiradentes entre 1968 e 1970. Dilma Rousseff era uma delas e diz coisas memoráveis sobre a experiência da prisão e da tortura. Mulheres admiráveis num filme admirável sobre o qual ainda vou escrever mais.
Beatriz Seigner (Bollywood Dream) muda radicalmente de cenário no seu segundo longa. Los Silencios se passa na fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil. A partir do destino de uma família, trata do drama dos refugiados dos conflitos armados na Colômbia. Beatriz esgueira-se enigmaticamente nas bordas entre fato e ficção e nos dá um filme de personalidade muito distinta. A fotografia em claro-escuro da colombiana Sofia Oggioni é ingrediente fundamental.
Outra estrela da mostra competitiva é Gabriela Amaral Almeida. Ainda lambendo o sangue da cria O Animal Cordial, Gabriela tira do ventre A Sombra do Pai, mais um exercício ligado ao seu gênero favorito, o terror. Na história, a pequena Dalva, sem conseguir se comunicar com o pai, acredita ter poderes sobrenaturais e ser capaz de trazer sua mãe de volta à vida.
Ainda na corrida pelos Candangos, três filmes são dirigidos a quatro mãos, sendo duas delas femininas. Glenda Nicácio e Ary Rosa reeditam em Ilha a bem-sucedida parceria de Café com Canela. Claudia Priscilla e Kiko Goifman assinam juntos Bixa Travesty. Victória Álvares divide com Quentin Delaroche a direção do documentário Bloqueio, sobre a greve dos caminhoneiros de maio último. O filme da noite de abertura, Domingo, é de autoria de Clara Linhart e Fellipe Barbosa. E o do encerramento, o doc América Armada, traz os créditos de Alice Lanari e Pedro Asbeg.
Na mostra Caleidoscópio, dedicada a filmes de risco, Bruna Carvalho Almeida apresenta o seu Os Jovens Baumann, ficção sobre o misterioso desaparecimento dos herdeiros de uma rica família do sul de Minas. A mostra Futuro Brasil inclui o doc Eleições, de Alice Riff, que acompanha a eleição de um grêmio estudantil de São Paulo, e a ficção cearense Tremor Iê, de Elena Meirelles e Livia de Paiva, que trata de jovens mulheres resistindo ao pós-golpe de 2016.
O cortejo de diretoras mulheres prossegue com Regina Jehá e seu documentário Frans Krajcberg: Manifesto, vasta reunião de vídeos e áudios em que o artista reconta sua trajetória e expõe sua revolta com a destruição do planeta. O filme está na mostra paralela A Arte da Vida. Na mostra Festival dos Festivais, Brunna Laboissière documentou a última viagem de uma caminhoneira trans em Fabiana. Mariah Teixeira assina com Tavinho Teixeira o elogiado Sol Alegria, um “Bonnie & Clyde com crianças” passado durante uma ditadura militar. Fabiana Assis traz de Goiânia o seu Parque Oeste, doc sobre uma mulher que tenta reconstruir sua vida depois de uma violenta desocupação.