A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS
A pereira selvagem, árvore de tronco retorcido a que se refere o título original de A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS, é uma metáfora das imperfeições da Natureza, que atinge também os homens. Para falar disso, o turco Nuri Bilge Ceylan trabalha mais uma vez com dois ingredientes prediletos, que são os efeitos do deslocamento de um personagem e a dificuldade de comunicação dentro de uma família. Esse é o substrato de filmes como Nuvens de Maio, Distante, Climas, Três Macacos e Sono de Inverno.
Nesse novo filme, temos um aspirante a escritor, recém-formado em Literatura, que retorna de Istambul à casa dos pais, nas redondezas de Çanakkale, tentando conseguir um emprego de professor e patrocínio para publicar seu primeiro livro. Sinan (Dogu Demirkol) não colabora muito consigo mesmo. Seus contatos são desastrados pela falta de tato. Ele odeia sua aldeia, onde os poderosos são demagogos, e idosos como seu avô materno são explorados. O pai (Murat Cemcir), professor do ensino fundamental, está cheio de dívidas de apostas no turfe. A moça que ele amava em silêncio (Hazar Ergüçlü) está prestes a se casar com outro. Restam-lhe as opções de virar soldado ou aceitar um emprego no Leste perigoso, próximo à fronteira da Síria.
Sinan conduz o filme por uma deambulação labiríntica entre a cidade e o vilarejo. Não há propriamente um desenvolvimento dramático, a não ser perto do final, quando a confrontação entre pai e filho chega a um desfecho tocante. O eixo narrativo é composto por uma série de conversas prolongadas, que logo se transformam em densos debates sobre Literatura, Fé, Destino, Família – tudo assim, com maiúsculas. Uma dessas discussões dura nada menos que 20 minutos, enquanto Sinan e dois Imans (autoridade religiosa muçulmana) fazem uma longa caminhada através do lugarejo. Um deles, o Iman Veysel, é interpretado por Akin Aksu, corroteirista do filme junto com Ceylan e sua mulher, Ebru Ceylan.
Assim como o livro de Sinan, que nem ele consegue definir com clareza, A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS é um filme cheio de derivas, difícil até mesmo de dizer sobre o que é. Conto filosófico, com certeza, mas também uma história de conflito de gerações e uma parábola sobre a dificuldade de se entender o outro e aceitá-lo com suas imperfeições. Em meio a essas intenções um tanto vagas, Ceylan asperge signos enigmáticos, como as diversas pistas falsas sobre enforcamento, os devaneios de Sinan, um cachorro que pontua o filme com significados obscuros. Há também referências irônicas à proximidade da mítica Troia, descrita na Ilíada de Homero, motivo de atração turística à região. Numa cena humorística de fuga, Sinan abriga-se no interior de um cavalo de Troia, vestígio das filmagens do blockbuster Troia, de Wolfgang Petersen. A mensagem sobre a fabulação da História não podia ser mais completa.
Não há como negar a consistência dos assuntos abordados na intensa dialogação, o que nos dá a sensação de estar lendo um caudaloso romance filosófico. Mas fica também o sabor de uma argumentação excessiva para um resultado dramatúrgico limitado. Onde o filme se impõe de verdade é na excelência das interpretações e nas epifanias estéticas que Ceylan obtém com a Natureza, as imagens da aldeia nas horas mágicas ou a ação do vento sobre a folhagem ou os cabelos de uma bela mulher.