EM GUERRA
Alguns filmes me arrebatam pela maneira como me arrastam para dentro dos “acontecimentos” por meio da encenação. Por falta de melhor termo, a gente tende a compará-los com documentários. Ultimamente fui arrebatado dessa forma pelo inglês Eu, Daniel Blake, pelo francês 120 Batimentos por Minuto e pelo português A Fábrica de Nada. Algo semelhante volta a ocorrer com EM GUERRA, que, aliás, guarda alguns pontos em comum com o último citado.
Como no filme lusitano, estamos em meio a operários de uma fábrica em vias de fechar e demitir todo mundo em troca de indenização. Mas, enquanto os trabalhadores portugueses resistem e assumem o controle numa experiência de autogestão, os franceses tentam preservar seus empregos numa escalada de pressões e enfrentamentos com as forças patronais e estatais. É um contexto em que direitos trabalhistas são pisoteados para dar lugar aos conceitos de competitividade e rentabilidade industriais.
O diretor Stéphane Brizé (dos igualmente admiráveis Mademoiselle Chambon e O Valor de um Homem) volta a acionar seu ator predileto, Vincent Lindon, no papel de Laurent, um líder esquentado e perseverante na luta dos 1.100 empregados contra o fechamento da fábrica Perrin pela sua incorporadora alemã. O elenco, parcialmente amador, vive discussões intensas e refregas corporais com veracidade e fluência excepcionais. A câmera de Eric Dumont amplia a sensação de realidade tendo quase sempre corpos obliterando parte da imagem no primeiro plano – recurso, aliás, usado um tanto além da medida.
História ficcional inspirada em fatos, EM GUERRA antecipou com virulência um estado de coisas que levou a França à controvertida revolta dos coletes amarelos no ano passado. Na trama, as sucessivas traições e manipulações dos patrões provocam não apenas a fúria dos trabalhadores, mas também a divisão entre eles, com o consequente enfraquecimento. Longe de idealizar a classe operária, o filme expõe suas fragilidades e, no desfecho surpreendente, a volatilidade da ideia do herói.
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