Todas as mulheres do mundo

MULHER

Consta que Anastasia Mikova e Yann Arthus-Bertrand se encontraram com 2.000 mulheres de 50 países durante as filmagens de MULHER. Algumas centenas delas aparecem no filme. Umas têm fala, outras apenas posam diante da câmera em estúdios improvisados, em ambientes de trabalho ou em casa. A primeira coisa que salta aos olhos é a extraordinária diversidade da imagem feminina: rostos, cabelos, cores, adornos, expressividades e idiomas. Uma síntese do planeta na pluralidade das mulheres.

Heterogêneas são também as experiências e impressões trazidas à câmera e ao microfone. Para cada tema abordado, há testemunhos diferentes. Ao tratarem de educação e trabalho, por exemplo, umas relatam vitória e afirmação, outras discriminação e renúncias. No tocante às relações conjugais, há tanto confissões de amor transcendental como histórias de traição. Quando se fala de aborto, é tanto do voluntário quanto do compulsório (este no caso de uma chinesa da época do “one child nation”).

Falando sobre Jogo de Cena, certa vez Eduardo Coutinho assim justificou sua preferência por ouvir mulheres: “Quando você entrevista dez mulheres e dez homens, na montagem vão ficar sete mulheres e três homens. Eu acho que é assim no mundo inteiro. No Brasil, isso é evidente: uma mulher pode se emocionar e chorar. Essa possibilidade de chegar à emoção está ligada à história da mulher.” O documentário de Anastasia e Yann soa como uma vasta ilustração dessa afirmativa.

A vivacidade ou a dramaticidade daquela sucessão de rostos é impressionante. Em sua grande maioria, as mulheres se apresentam bem maquiadas, com adereços próprios de sua cultura e uma certa disposição performática que sublinha seu carisma natural.

O corpo é o centro de grande parte das micro-histórias narradas. Menstruação, erotização do corpo, vida sexual, orgasmo, maternidade, intervenções estéticas, envelhecimento, enfermidades e auto-imagem colocam em xeque os atributos tradicionalmente ligados à ideia da beleza feminina, dádiva e fardo de toda mulher. É no corpo também que aparecem as marcas da violência doméstica, das mutilações primitivas, dos castigos de ácido atirado ao rosto das mulheres indianas. Também se refletem na expressão e no olhar os efeitos dos estupros e dos maus tratos infligidos a meninas vendidas pelo Estado Islâmico.

Em sua imensa variedade, MULHER faz um painel das alegrias e infortúnios de ser mulher num mundo ainda dominado pelo machismo tóxico e pelas desigualdades de gênero. Mas também exala força e assertividade nos quatro cantos da Terra. Inclusive da parte das brasileiras, que têm quatro breves participações.

A representatividade não binária pareceu ficar aquém do status contemporâneo, haja vista a presença de apenas duas mulheres lésbicas e uma única transgênero. No segmento de poses de casais, não entrou nenhum homossexual. Não era certamente intenção dos diretores aprofundar a questão de gênero, mas sim coletar exemplares dentro dos limites do padrão. Nesse perímetro, o filme se impõe pela beleza com que revela o melhor daquelas mulheres e a franqueza que delas obtém em contrapartida.

O francês Yann Arthus-Bertrand é um ambientalista, fotógrafo e cineasta especializado em grandes painéis planetários, como Home – Nosso Planeta Nossa Casa, Planet Ocean e Humano: Uma Viagem pela Vida. Seus filmes sobrevoam cenários e assuntos com um foco atento às metonímias que informam sobre o todo. Por sua vez, a ucraniana Anastasia Mikova tem um currículo de colaborações como montadora, entrevistadora e corroteirista de filmes de Yann. Em MULHER, ela assina junto com ele a direção, garantindo o tal “lugar de fala” no universo feminino.

Toda a renda do filme está sendo destinada à organização Woman(s), que treina mulheres do mundo inteiro em profissões ligadas à mídia.

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