Trânsitos afetivos nos vácuos do tempo

DEPOIS DE SER CINZA e uma nota sobre 7 CAIXAS

Pode um sonho alheio determinar uma mudança na vida de outra pessoa? A resposta vem numa das últimas cenas de Depois de Ser Cinza, curioso drama relacional de Eduardo Wannmacher a partir de roteiro de Leo Garcia.

Uma a uma, vamos conhecendo três mulheres que passaram pela vida de Raul (João Campos), pós-doutorando em Antropologia acometido de transtornos de ansiedade. Com a pintora Isabela (Elisa Volpatto) ele tem um encontro fortuito enquanto viaja pela Croácia – razão para o filme enfocar as belas paisagens da Dalmácia e de Dubrovnik. Em Porto Alegre, com a colega de estudos Suzy (Branca Messina), mantém uma amizade colorida regada a cocaína e dependência mútua. Já a psicanalista Manuela (Silvia Lourenço) trafega com ele entre o profissional e o afetivo.

Esse quarteto, cujas mulheres nunca se cruzam no mesmo espaço, expressa um desejo contemporâneo de explorar fronteiras emocionais e geográficas, se possível ao mesmo tempo. Nota-se o empenho dos realizadores no sentido de conferir a cada personagem feminina um desenho minimamente sólido para que não sejam apenas veículos de informação sobre Raul.

Embora tenham razões profundas insinuadas (a deriva de Isabela, a memória do pai de Suzy, o contencioso familiar de Manuela), as atitudes dos quatro transcorrem mais no nível da superfície, seja das palavras, seja dos corpos. E nisso o filme é muito bem sucedido. Os diálogos são críveis e proferidos com perfeita propriedade naturalística. Uma sensualidade quase permanente comanda os gestos e toques das personagens. A narrativa transita com elegância entre camadas de tempo na fina montagem de Bruno Carboni, à revelia da linearidade. A fotografia de Leonardo Maestrelli é límpida e cuidadosa nos detalhes de enquadramento.

Mesmo com todas essas qualidades, Depois de Ser Cinza não consegue evitar um certo esvaziamento dramático a partir de certo ponto. Caberá, então, ao espectador aceitar que uma história não se faça exatamente de acontecimentos visíveis, mas de uma série de hiatos que cada um se disponha ou não a preencher.

>> Depois de Ser Cinza está nos cinemas.

Uma joia paraguaia

7 Caixas trabalha o capitalismo miúdo das camadas populares. Não é à toa que o filme se passa inteiramente dentro de um grande e labiríntico mercado, semelhante a um bazar árabe ou uma feira indiana. Ali as trocas se fazem entre tudo e todos: produtos, serviços, celulares, informações, amores, sexo, liberdade.

Quando agarra sua oportunidade (transportar sete misteriosas caixas de um ponto a outro do mercado e com o dinheiro ganho comprar o celular dos seus sonhos), o garoto Victor fará de tudo para não perdê-la. No seu encalço, saem policiais, comerciantes e concorrentes numa desabalada aventura por vielas, barracas e galpões.

O que primeiro nos entusiasma, confrontando nossos velhos estereótipos sobre as precariedades paraguaias, é a qualidade técnica e artística do thriller. Os atores são perfeitos, o trabalho de câmera e luz é inventivo, o ritmo é irresistível. A exploração visual dos movimentos dos carrinhos de carga é um primor de criatividade. O roteiro, extremamente engenhoso, mescla inocência, comicidade direta, humor negro, suspense, expectativas bem construídas e narrativas paralelas impecáveis.

A sátira à corrupção em diversos níveis é feita sem discursos, mas na pura exposição de situações corriqueiras e hilariantes. Enfim, um filmaço que coloca o Paraguai no mapa da produção contemporânea.

>> 7 Caixas está na plataforma gratuita Sesc Digital até 3 de outubro.

 

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