Notas sobre dois filmes que envolvem astronomia: ASTEROID CITY e O ESPAÇO INFINITO
Quarentena verborrágica
Nos seus melhores filmes, como O Grande Hotel Budapeste, Três é Demais, Moonrise Kingdom e Ilha dos Cachorros, Wes Anderson costuma ser tolo, excêntrico e divertido. Em Asteroid City ele limitou-se a ser tolo. Lembra mais um grande trailer de um filme que nunca começa de verdade. Em vez disso, fica dando voltas no próprio rabo. Mais ou menos como a brincadeira de memorização das crianças no filme, que consiste em repetir nomes e acrescentar um a cada rodada.
Como é de praxe na fabulação do cineasta, a ação se passa num lugar exótico – no caso uma cidadezinha fictícia no deserto –, com personagens que estão ali por alguma razão especial. Em 1955, um fotógrafo recém-viúvo (Jason Schwartzman) chega a Asteroid City com seus quatro filhos para uma convenção de astrônomos mirins e vai interagir com uma série de figuras esquisitas enquanto a cidade se vê abalada por estranhos acontecimentos envolvendo testes de bomba atômica e pouso de uma nave extra-terrestre. Uma quarentena é decretada, fazendo com que as pessoas fiquem presas ali até segunda ordem.
Existe uma brecha, porém, nesse lockdown. Afinal, todos são personagens de uma peça que nos está sendo apresentada, o que permite quebrar o fluxo do filme com um arremedo de metalinguagem. Somos convidados a ver tudo aquilo como um “conto imaginário”, o que não acrescenta camada nenhuma e soa especialmente óbvio. Além de verborrágico até dizer chega.
Se há um atrativo em Asteroid City é a imaginação visual de Wes Anderson, sempre no mínimo curiosa. Suas ações e cenografia ficam a meio caminho entre a animação e a live action. A expressão impassível dos atores e os movimentos de câmera inesperados geram uma comicidade muito típica. Mas mesmo esses elementos acabam perdendo o potencial de humor à medida que o filme avança sem dizer a que veio.
Resta, como para os astrônomos, ver estrelas. O elenco é um firmamento de rostos célebres como Scarlett Johansson, Tilda Swinton, Margot Robbie, Tom Hanks, Edward Norton, Matt Dillon, Willem Dafoe, Steve Carell, Adrien Brody e até Seu Jorge numa ponta como caubói cantor e violonista. Oculto no papel do alienígena está Jeff Goldblum.
>> Asteroid City está nos cinemas.
Quando a realidade vai pro espaço
Bem mais ambicioso que Asteroid City do ponto de vista da psique, o brasileiro O Espaço Infinito, de Leo Bello, gira em torno da obsessão de uma astrônoma em encontrar uma nova estrela. Nina (Gabrielle Lopes) vive com o marido instrutor de ioga e o filho num iglu na Chapada dos Veadeiros. Suas alucinações a levam a ser internada numa clínica a fim de recompor o contato com a realidade compartilhada.
A estrela assume um papel múltiplo na história de Nina, como vemos nos flashbacks de sua infância com o pai. O filme avança por um emaranhado temporal que representa razoavelmente o distúrbio psicótico da protagonista. O transtorno ganha materializações inquietantes que envolvem deambulações, automutilações, deglutição de vermes e emissários de abdução.
Ao mesmo tempo, Leo Bello toca em decorrências sociais da doença, como a dificuldade do cônjuge em lidar com a doença de Nina e a preocupação de sua mãe em escondê-la das visitas.
O trabalho fotográfico de Pedro Maffei é bastante interessante, especialmente nas externas que dão concretude aos delírios de Nina. A montagem descontínua de Rafael Lobo e a trilha musical de Sascha Kratzer e Rafael Maklon contribuem para conferir densidade e criar algumas boas expectativas.
A atriz principal dá conta do recado, embora sua movimentação em cena pudesse ser menos andróidica, ou não por tanto tempo. Afinal, mesmo os doentes mentais têm variações de postura. No elenco vale destacar a participação histriônica da cantora Gaivota Naves como uma das internas da clínica. A história pessoal dessa atriz, por si só, daria um filme. Se quiser conhecê-la, clique aqui.
>> O Espaço Infinito está nos cinemas.


