Uma escritora vai ao bordel

A CASA DOS PRAZERES

A francesa Emma Becker era garçonete de um café de Berlim e escritora. Já havia publicado dois romances quando decidiu experimentar o trabalho de prostituta para escrever o terceiro. Assim podia ser remunerada enquanto preparava o livro. A prática lhe agradou, e ela exerceu o ofício por dois anos. “Sendo prostituta aprendi a ter uma empatia maior com os homens, quase uma ternura, por sua incapacidade muitas vezes de saber se estamos gozando ou estamos fingindo”, afirmou em entrevista ao jornal El País. O romance La Maison – Minha História na Prostituição, grande sucesso na França e editado no Brasil pela Record, chegou ao cinema com direção de Anissa Bonnefont em A Casa dos Prazeres (La Maison).

A sinopse sugere que vamos assistir ao processo de transformação de uma vivência real em material literário. Mas não é isso o que acontece. O filme encena episódios supostamente* vividos por Justine, nome de guerra de Emma (Ana Girardot), mas quase passa ao largo de sua pretendida “reflexão sobre a feminilidade”. Emma defende que aceitemos o fato de um mulher escolher deliberadamente a prostituição e ser feliz com isso. Um trabalho cansativo como outro qualquer, afinal. Na Alemanha, ao contrário da França, alugar o corpo não é ilegal.

Assuntos de fundo são apenas tangenciados, como o dilema entre vida paralela e vida real que as prostitutas podem enfrentar. Na maior parte do tempo, o que temos é a sucessão de encontros de Emma com os clientes: o simpático, o prestativo, os violentos, o inexperiente, a mulher em busca de uma experiência lésbica. Ela toma aulas de dominação e convive alegremente com as colegas da Maison, entre elas uma espanhola interpretada pela almodovariana Rossy de Palma.

Como sugere a Emma real em sua entrevista, a personagem não demonstra nenhum conflito interior. Ela confronta com firmeza a oposição da irmã mais nova e de um amigo-amante a sua surpreendente decisão. Sua vida amorosa parece interditada, o que se comprova quando ela encontra um namorado compreensivo através do Tinder.

Para um tema tão fértil em provocações, A Casa dos Prazeres me pareceu bastante superficial. Além de improvável em vários momentos, como a cena de sexo diante do célebre painel em mármore Les Passions Humaines, no interior de um museu de Bruxelas. Mais que propor um estudo sobre a disponibilização do corpo e o bordel como laboratório literário, o filme oferece muita nudez e um tanto de sexo quase explícito. Ou seja, mais o material bruto que a obra pronta.

* Digo supostamente porque não parece existirem provas concretas de que Emma realmente passou pelos prostíbulos – o que, afinal, importa pouco na gênese do livro.

>> A Casa dos Prazeres está nos cinemas.

 

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