Festival do Rio 2023: Cinco da Tarde

Adolescentes num aquário

Somente dois andares separavam Anabel e Meiko, duas meninas que moravam de frente para um parque de Niterói. Nunca haviam trocado palavra até o dia em que Anabel (Bárbara Luz) bate à porta da outra. A avó com quem morava acabara de morrer, e ela começava a viver um luto silencioso, solitário. A mãe vivia em Belo Horizonte, o amigo aparentemente único não era muito desejado naquele momento. Meiko (Sharon Cho), por seu turno, também morava sozinha. Um encontro de sutilezas começava ali.

Eduardo Nunes é um cineasta das sutilezas femininas e das fabulações docemente fantásticas. Essas são as matérias de vários dos seus curtas e dos longas Sudoeste, Unicórnio e também desse Cinco da Tarde. Há sempre uma instabilidade fundamental nos seus filmes, algo que desliza sedosamente da realidade para a fantasia e da enunciação para o silêncio. O ritmo de suas cenas é calmo e denso, embalando o espectador para bem longe do açodamento de um cinema de resultados.

Cinco da Tarde obedece a esse diapasão, muito embora não tenha, a meu ver, o encantamento dos dois primeiros longas. Há talvez um excesso de singeleza na história dessas duas jovens almas que se descobrem gêmeas pelas vias tanto do cotidiano (os chás, as janelas, a dança, a ausência dos pais), quanto do onírico. Sonham o mesmo sonho, digamos assim.

Anabel, que habita o centro do filme, tem dificuldade em aceitar o desaparecimento da avó (Analu Prestes). Isso dá margem à criação de cenas assemelhadas às de Estranho Caminho, também presente na programação da Première Brasil. O luto de Anabel parece se estender magicamente para a mãe de Meiko (Miwa Yanagizawa) a partir do ponto em que ela se muda para o apartamento da amiga. Um sentimento de terna sororidade vai unir as duas e criar uma espécie de amparo mútuo. Como peixinhos que passam a dividir o mesmo aquário.

Porque é de vidas em aquário que estamos tratando. As poucas relações sociais e os espaços limitados que Anabel e Meiko frequentam sugerem essa figura do aquário, elemento determinante na cenografia do filme. Aprender a gostar do pequeno mundo em que se vive, até mesmo por desconhecer o resto do mundo, pode ser uma virtude.

Não sei até que ponto a presença de duas personagens ligadas ao Japão inspirou a Nunes um certo toque oriental, uma condensação zen. O nervosismo e a desorientação de Anabel aos poucos se dissipam no contato com a serena Meiko. O real se transforma pela força do pensamento, incluindo a hora em que os sinos tocam no fim da tarde. Há mesmo umas vinhetas coloridas em meio ao preto e branco, que servem como “almofadas” para introduzir “capítulos” por meio de alusões sucintas que lembram o cinema asiático.

A estética da contemplação e da sugestão é magistralmente servida pela fotografia de Mauro Pinheiro Jr., pródiga na exploração da profundidade de campo e precisa na distribuição dos pontos de luz. Mauro é um mestre que responde pela excelência visual dos longas de Eduardo Nunes. O Campo de São Bento ganha certamente sua mais vistosa fisionomia no cinema depois de aparecer com graça em Minha Mãe é uma Peça 3.

Já no que diz respeito aos tempos de Cinco da Tarde, eu temo que sua cadência às vezes muito distendida trabalhe contra uma fruição mais proativa por parte do espectador. O ritmo de algumas cenas se estende a ponto de torná-las solenes e não tão sugestivas quanto pretendiam. No fundo, temos aqui um diretor apostando alto no seu estilo e requerendo de nós a disposição de acompanhá-lo numa lenta viagem com cintilações de beleza.

12/10/2023 – Estação NET Gávea 4 – 19:15
12/10/2023 – Estação NET Gávea 5 – 19:15
13/10/2023 – Cine Odeon – CCLSR – 13:30

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