Banqueiro humanitário e Açores queer

DAVID CONTRA OS BANCOS nos cinemas e LOBO E CÃO no streaming

Um banco para os pequenos

“Todo mundo odeia os banqueiros” – esse é o sentimento que anima David Contra os Bancos (Bank of Dave), filme britânico que, de alguma maneira, evoca as fábulas de Frank Capra durante o New Deal. Revive a luta de gente comum contra os tubarões do capitalismo para instituir um, digamos, capitalismo humanitário. Um feel good movie levemente roqueiro que chega ao clímax com uma apresentação da banda Def Leppard completamente integrada à trama.

Na pequena Burnley, norte da Inglaterra, o vendedor de micro-ônibus David Fishwick (Rory Kinnear), um self made man, empresta dinheiro e ajuda a criar empregos para a comunidade, doando os lucros para instituições beneficentes. A prática o leva a querer fundar um banco honesto para atender às necessidades dos pequenos locais. Para isso precisará enfrentar a oposição do sistema financeiro, desacreditado na opinião pública mas forte na manipulação de regras e nos golpes baixos.

Um advogado londrino meio atrapalhado vai supostamente ajudá-lo, mas na verdade com a intenção de dissuadi-lo diante do provável fracasso. Há cerca de 150 anos ninguém conseguia criar um novo banco no país. Mas eis que o tal advogado se apaixona por Burnley – e não só pela cidade – e resolve empenhar-se seriamente na criação do Bank of Dave. Esse personagem, Hugh (Joel Fry), corresponde ao advogado Chris Moss original.

A história real de Fishwick (um óbvio Davi contra Golias) já tinha sido objeto de um livro autobiográfico e de uma série do Channel Four em 2012. O novo fime de Chris Foggin, com roteiro de Piers Ashworth, simplifica bastante os fatos e joga um pouco de açúcar em cima do bolo. O Dave da tela não tem nada da imagem de um milionário, mas de um carinha bacana que gosta de ajudar as pessoas. A figura do advogado, por sua vez, é a do jagunço corporativo que, romanticamente, se deixa converter para o lado dos mais fracos.

Tudo somado, que ninguém espere uma obra-prima de David Contra os Bancos. O que temos é uma dramédia simpática que se ampara no bom elenco, nos bons sentimentos e nos bons hits do rock que rolam em Burnley. Com a canja verídica e real do Def Leppard.

>> David Contra os Bancos está nos cinemas.   



Ilha da fantasia

A cineasta e fotógrafa portuguesa Claudia Varejão é também ativista em prol da comunidade gay lusitana e uma das fundadoras da plataforma (A)MAR Açores. A Ilha de São Miguel, a maior do arquipélago dos Açores, é cenário e personagem de Lobo e Cão, seu primeiro longa-metragem depois do premiado Amor Fati. O filme passa a impressão não de uma cidade propriamente, mas de dois polos opostos que disputam espaço na vida do lugar.

De um lado, uma sociedade católica e tradicionalista ocupada com romarias, orações e cantochões. De outro, um grupo de jovens LGBTQIAP+ que afronta os mais velhos com sua estética queer e uma sensualidade sem fronteiras. No meio das duas está Ana (Ana Cabral), trabalhadora do porto que ainda não sabe que caminho tomar, seja na sexualidade, seja nos planos de futuro. Ela convive com a garotada não binária e tem como melhor amigo o menino gay Luis (Ruben Pimenta).

Como de costume em lugares relativamente isolados, há entre os mais novos o desejo de aceitar o convite do mar e sair da ilha. Para Ana, isso se acirra com a chegada da prima Cloé (Cristiana Branquinho) do Canadá, trazendo ares de liberdade e sedução.

O roteiro da própria diretora comuta entre aqueles dois ambientes, criando fortes contrastes através da montagem ou da inserção de um mundo no outro. Veja-se a participação de Luis numa romaria ou dos gays devidamente “montados” numa procissão religiosa.

Embora crie um painel relativamente sugestivo dessa ilha da fantasia dentro da ilha real, onde a sensualidade se espraia nos corpos não normativos, falta a Lobo e Cão uma estrutura dramática mais sólida. Os personagens são pura superfície e pouca substância. Há uma confiança exacerbada no poder de insinuação das imagens – o que nem sempre ultrapassa a mera divagação. A questão do tráfico de drogas, por exemplo, que afeta o irmão de Ana, fica como um dado perdido na dramaturgia. E a dor d’alma de Ana, pelo menos para mim, não chegou a se configurar claramente. Resta a beleza de muitas imagens e a descoberta desse lado inesperado dos Açores, mesmo que seja em parte uma fantasia.

>> Lobo e Cão está na plataforma Filmicca.

>> Conheçam a página do Facebook Azores LGBT.

 

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