TODOS NÓS DESCONHECIDOS
Adam (Andrew Scott) é um roteirista gay de meia idade que ainda não se aceitou plenamente. Por isso rejeita, a princípio, a investida de Harry (Paul Mescal), o vizinho mais jovem que bate à sua porta. Um dos motivos do retraimento de Adam é o fato de não saber o que seus pais, mortos quando ele tinha apenas 12 anos, achariam de sua sexualidade.
Dizem que essa é uma inquietude comum em homens gays que perderam o pai muito cedo. Adam decide curá-la através de um processo mental que leva Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers) para fora de Londres e da esfera do real. A princípio, pode parecer que ele apenas desenvolve um roteiro no qual visita seguidas vezes a casa de sua infância no interior, onde encontra os pais vivos, com a mesma aparência que tinham quando morreram nos anos 1990. Se para Adam essas conversas fantasmáticas podem ser dolorosas ou trazerem o conforto esperado, para os pais significam a oportunidade de conhecer o filho para além do possível.
Uma das interpretações cabíveis é que as viagens mentais do roteirista são apresentadas como coisas físicas: o metrô, as conversas comovidas com os pais (Claire Foy e Jamie Bell), o ressurgimento de cenas da infância, as roupas do menino vestidas no homem feito. No entanto, a frequência com que Adam desperta de pesadelos banaliza um tanto o dispositivo criado pelo diretor Andrew Haigh e seu corroteirista Taichi Yamada.
Ao mesmo tempo que vive seus devaneios familiares, Adam vence o medo e a solidão para engatar um namoro com Harry, embalado pelo hino gay oitentista The Power of Love, da banda Frankie Goes to Hollywood. Mas nem tudo tem concretude garantida à medida que o denso e sussurrado drama de Andrew Haigh vai se contaminando com as tinturas de M. Night Shyamalan.
O tempo faz as coisas ficarem diferentes, como diz Adam à mãe ainda presa à moral antiga. O problema é que nem tudo muda com o tempo, sobretudo quando se trata de algo que está dentro de nós. Em outro momento do filme, é a mãe que consola o filho quando este lhe pergunta se o que estão vivendo é real. “Se parece real, então é”, diz ela. Para assimilar o mistério de Todos Nós Desconhecidos, o espectador também precisa se convencer disso.
>> Todos Nós Desconhecidos está nos cinemas.

