Do burquíni ao melodrama

A VERSÃO PERSA

O terreno minado da guerra cultural entre o Irã e os EUA é onde a cineasta Maryam Keshavarz plantou A Versão Persa (The Persian Version), dramédia semi-autobiográfica a propósito de três gerações de uma família estadunidense-iraniana vivendo em Nova Jérsei. Os Jamshidpour emigraram em 1967, quando os EUA fizeram uma espécie de Mais Médicos. Nascida em Nova York, Leila (Layla Mohammadi) é uma ovelha diferente por ser lésbica e rejeitada pela mãe, Shireen (a bela Niousha Noor). Na cena de abertura, Leila vence um concurso de Halloween com um burquíni (mistura de burca com biquíni). Mais adiante, seu destino vai se cruzar com um ator que faz drag.

O trânsito entre os costumes e as éticas ocidental e iraniana domina a primeira parte do filme em ritmo veloz e alto astral. É quando A Versão Persa transpira o desejo de ser “espertinho” a todo custo, envolvendo diálogos razoavelmente espirituosos, danças coletivas e referências jocosas ao choque cultural. Lembra um pouco comédias independentes dos anos 1980, quando o multiculturalismo era tema da moda.

A partir de uma conversa com a avó (mais liberal que a mãe, para não fugir ao clichê), Leila descobre que a mãe guarda um grave segredo de família. O filme, então, passa a contar a história de Shireen no passado iraniano. O giro de 180 graus leva as coisas para a esfera do melodrama pesado, como se mudássemos inteiramente de filme.

As incoerências dramáticas, então, se acumulam. Uma grande confusão de registros e um vai e vem temporal reduzem muito o apelo inicial. A perspectiva da Leila roteirista narrando a história da mãe a fim de compreendê-la se perde no emaranhado de enunciados. As frequentes quebras da quarta parede são apenas mais um recurso utilizado sem muita imaginação.

É louvável o empenho de Maryam Keshavarz em resgatar a diversidade de perfis e as diferentes versões de mulheres com personalidade forte em sociedades tão contrastantes. Pena que o material vacile entre a pretensa ousadia e uma indisfarçável ingenuidade.

>> A Versão Persa está nas plataformas Google Play, Amazon, AppleTV, Claro Vídeo e Microsoft.

NO TEATRO: Para quem aprecia a cultura persa, a dica é a peça PÉRSIA, do Grupo Sobrevento, que está em cartaz até 21 de abril no Sesc Copacabana. O espetáculo, com participação de imigrantes iranianos, trata das relações entre as culturas persa e brasileira, especialmente nos campos da música e do teatro. 

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