É Tudo Verdade: Lampião, Governador do Sertão

E uma nota sobre o curta A EDIÇÃO DO NORDESTE

“A memória faz parte da história, mas a história é maior do que a memória” – a frase do pesquisador Leandro Fernandes chega só aos 75 minutos de Lampião, Governador do Sertão, mas é como se ecoasse retrospectivamente desde o início desse belo documentário de Wolney Oliveira. Ao reunir – e às vezes contrapor – a memória oral com a informação de historiadores, o filme avança um pouco mais além do que já sabíamos sobre o maior dos cangaceiros.

Wolney já havia realizado um doc fabuloso com os remanescentes do cangaço. Era Os Últimos Cangaceiros, de 2011. Alguns deles reaparecem no novo filme, como é o caso de Durvinha, Dulce e Candieiro. A força do mito cobre esses idosos de uma aura que o filme se propõe justamente a discutir.

Herói ou vilão? O debate sobre Lampião e seu bando não é nada novo, mas tem seu interesse sempre renovado pela permanência da mitologia, seja por razões culturais, seja por movimentar a economia e o turismo, especialmente no Nordeste. Não desprezemos, ainda, a confusa admiração por quem, de uma forma ou de outra, enfrentou a ordem estabelecida.

O fato é que Lampião tornou-se um ícone à margem de seus valores e uma figura válida para mil e uma representações – um tanto como aconteceu com Che Guevara e Frida. Os bandidos que saqueavam, chantageavam políticos e fazendeiros, sequestravam e violavam mulheres, e enchiam as burras de dinheiro são ainda hoje objeto de enredo de escola de samba, de arte popular, de uma biblioteca de cordéis e da fascinação de velhos e jovens colecionadores. O Memorial da Resistência de Mossoró (RN), erguido para lembrar como a cidade resistiu aos ataques de Lampião, ironicamente tem nos bandidos sua maior atração. “É o que o povo quer ver”, afirma uma cicerone. Uma missa celebrada no local da morte de Lampião e Maria Bonita, em Angico (SE), e ressurgimentos no candomblé dão a medida da ambivalência dessa reputação.

Filhas, netas e irmã de Lampião se alternam com pesquisadores, guias turísticos, escolares, ex-coiteiros (apoiadores do bando), ex-volantes (policiais que davam caça ao bando) e remanescentes do cangaço para remexer nos baús da história e da memória. Há o ex-volante que gostaria de ter sido cangaceiro e outro que chama Lampião de herói. Há o ex-bandoleiro que se divide na hora de opinar: “a vida no cangaço era bonita, mas boa não era não”. Vanja Orico e Ariano Suassuna complementam o elenco nas rememorações, muitas vezes conflitantes.

O filme traz à lembrança, ainda, o papel pioneiro de Luiz Gonzaga, do filme O Cangaceiro e das pesquisas de Christina Matta Machado para a relativa positivação da imagem de Lampião e dos cangaceiros em geral. A pesquisa de Antonio Venancio traz cenas de arquivo preciosas, que se somam às clássicas filmagens e fotografias feitas por Benjamin Abrahão em 1936.

Lampião, Governador do Sertão tem o bom acabamento e a apresentação atraente que caracterizam os documentários de Wolney Oliveira, um dos principais cronistas cinematográficos do Nordeste. De alguma maneira, seu filme dialoga com o curta A Edição do Nordeste, de Pedro Fiúza. Aqui, um tanto na linha de Cinema Novo, de Eryk Rocha, Fiúza justapõe com graça e inteligência uma profusão de cenas para mostrar como o cinema “inventou” um Nordeste onde cabem mil adjetivos. E onde Lampião é tão frequente quanto os pés de mandacaru.

Horários de Lampião, Governador do Sertão
07/04/2024 às 20h30 – Estação Net de Cinema Botafogo
08/04/2024 às 17h30 – Estação Net de Cinema Rio (Sala 5)
11/04/2024 às 20h30 – Espaço Itaú de Cinema Augusta
12/04/2024 às 19h30 – Cinemateca Brasileira (Sala Grande Otelo)   

Horários de A Edição do Nordeste      
05/04/2024 às 16h00 – Espaço Itaú de Cinema Augusta
12/04/2024 às 18h00 – Estação Net de Cinema Botafogo
13/04/2024 às 15h00 – Estação Net de Cinema Rio (Sala 5)
14/04/2024 às 17h00 – IMS Paulista

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