É Tudo Verdade: Verissimo

Resenhas de Paulo Lima e Carlos Alberto Mattos

Crônica de uma vida privada séria e engraçada

por Paulo Lima

A imagem pública de Luís Fernando Verissimo está associada ao seu já folclórico laconismo. O falar pouco tem como contrapartida, entretanto, o fato de que ele escreve bastante, e é isto que se espera de um escritor. Suas crônicas povoam há décadas nosso imaginário, revelando como poucos os aspectos tragicômicos da vida pública e privada dos brasileiros.

Mas, e a crônica da vida privada do próprio Verissimo, como seria? Sua legião de leitores poderá agora conhecer mais da sua intimidade, graças ao documentário Verissimo. O filme foi realizado em 2016, ano em que o escritor gaúcho completou 80 anos. Para a efeméride, o diretor Angelo Defanti registrou, durante os 15 dias que antecederam a celebração do aniversário, a rotina do cronista na sua casa do bairro Petrópolis, em Porto Alegre.

Trata-se de um documentário de observação, uma escolha que deixou Verissimo à vontade para se expressar em seus silêncios.

Ali, vemos Verissimo entregue ao remanso do lar ao lado da esposa Lúcia, envolto em alguma atividade: exercitando-se em sessões de fisioterapia, lendo, ouvindo música ao lado da netinha Lucinda, trabalhando no escritório, catando milho no computador, assistindo a partidas de futebol na TV. Sempre imerso no mutismo que ele diz ter herdado do pai Erico Verissimo. As visitas constantes dos filhos Fernanda, Mariana, Pedro e dos netos mantêm sempre alto o termômetro dos afetos na ampla e bela casa que já foi do pai.

À medida que o aniversário se aproxima, crescem as demandas por entrevistas. O aniversariante se desincumbe das perguntas com respostas breves porém espirituosas. Como é fazer 80 anos? “A gente se distrai e  quando vê fez 80 anos.” Tá preparado para assumir a presidência? “Se fosse eleito, Lucia que governaria.” O documentário nos dá uma boa síntese do seu estilo: “Um caso raro de humorista que é ao mesmo tempo engraçado e sério.” E deve ser acrescentado: afável. Isto é demonstrado em suas aparições públicas. O documentário mostra duas delas: a participação de Verissimo num evento literário em São Paulo, com direito a lançamento de livro, e uma visita ao museu dedicado ao pai em Porto Alegre. Ao seu modo low profile, Verissimo recebe com tranquilidade o assédio dos fãs e da imprensa.

É o próprio Verissimo quem, durante uma cena, confidencia referindo-se à sua rotina, fazendo humor de si mesmo: “Minha grande vocação é pra aposentado, mas não consigo parar.” É essa rotina, no entanto, a que agora  temos acesso, que foi capaz de produzir um cronista incomum, dos maiores do nosso país.

Paulo Lima


Um documentário parecido com LFV

por Carlos Alberto Mattos

Como fazer um documentário sobre um homem recatado ao extremo, que não gosta de conversar e parece participar pouco da própria vida? Angelo Defanti tomou a decisão certa perante Luís Fernando Verissimo. Fez sua câmera assumir a mesma atitude distante e impassível do retratado. Verissimo é um vero filme de observação, daqueles que não quebram seu dispositivo por nada.

Ou quase nada. Pois há um brevíssimo momento em que LFV murmura duas palavras para a câmera enquanto rabisca umas caricaturas. De resto, é a comédia da vida privada do escritor taciturno, imperturbável. A câmera se posiciona estrategicamente nos cômodos de sua casa para flagrá-lo em silêncio, quase ausente das conversas da família, permitindo-se quando muito tomar parte nas reinações dos dois netos. Verissimo boceja, faz exame de sangue e sessões de fisioterapia, ouve música em alto volume sem dizer palavra. Somente aos 14 minutos de filme o ouvimos balbuciar pela primeira vez alguma coisa.

Volta e meia, é visto (e então ouvido) dando entrevistas para terceiros e recebendo homenagens por seus 80 anos em 26 de setembro de 2016. Ficamos com a impressão de que o criador de O Analista de Bagé só fala quando é instado a isso pelas obrigações do ofício. Aí então surgem os chistes e pensamentos espirituosos que nos acostumamos a ler em seus textos. Sua mulher, Lúcia, disse certa vez que gostava desses eventos porque só aí vinha a saber o que o marido pensava.

Verissimo parece ter encontrado a forma ideal de mostrar como é Verissimo. Em reuniões sociais, vemos como ele discretamente se afasta dos grupinhos para ficar à parte. No dia do aniversário, era o que menos participava da festa. Diante dos cumprimentos banais e da pajelança no lançamento de um livro, mal conseguia disfarçar o incômodo. No bar temático Verissimo, em São Paulo, todo decorado com referências a ele e sua obra, nem parecia que a coisa era com ele. Tido pelos gaúchos como uma glória estadual e pelos brasileiros como uma nacional, ele responde a tudo com um singelo “obrigado”. A frase “tenho vocação para aposentado” ganha, assim, um sentido mais amplo.

LFV teve um marcapasso implantado em 2016, meses antes das filmagens, e agora se recupera de um AVC. Esse documentário tão parecido com ele chega como um voto de saúde e, para nós, uma janela privilegiada para sua personalidade.

Carlos Alberto Mattos

09/04/2024 às 20h30 – Estação Net de Cinema Botafogo
10/04/2024 às 17h30 – Estação Net de Cinema Rio (Sala 5)
10/04/2024 às 20h30 – Espaço Itaú de Cinema Augusta
11/04/2024 às 19h30 – Cinemateca Brasileira (Sala Grande Otelo)

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